Maria Eduarda resvalara sobre uma cadeira, junto da porta, num cansaço delicioso, deixando calmar o alvoroço do seu coração.
- É muito confortável, é encantador tudo isto, dizia ela olhando lentamente em redor os cretones do gabinete, o divã turco coberto com um tapete de Brousse, a estante envidraçada cheia de livros. Vou ficar aqui adoravelmente...
- Mas ainda nem lhe agradeci o ter vindo, murmurou Carlos, esquecido a olhar para ela. Ainda nem lhe beijei a mão...
Maria Eduarda começou atirar o véu, depois as luvas, falando da estrada. Achara-a longa, fatigante. Mas que lhe importava? Apenas se acomodasse naquele fresco ninho nunca mais voltava a Lisboa!
Atirou o chapéu para cima do divã - ergueu-se, toda alegre e luminosa.
- Vamos ver a casa, estou morta por ver essas maravilhas do seu amigo Craft!... É Craft que se chama? Craft quer dizer indústria!
- Mas ainda nem sequer lhe beijei a mão! tornou Carlos, sorrindo e suplicante.
Ela estendeu-lhe os lábios, e ficou presa nos seus braços.
E Carlos, beijando-lhe devagar os olhos, o cabelo, dizia-lhe quanto era feliz e quanto a sentia agora mais sua entre estes velhos muros de quinta que a separavam do resto do mundo...
Ela deixava-se beijar, séria e grave:
- E é verdade isso? É realmente verdade?...
Se era verdade! Carlos teve um suspiro quase triste:
- Que lhe hei de eu responder? Tenho de lhe repetir essa coisa antiga que já Hamlet disse: que duvide de tudo, que duvide do sol, mas que não duvide de mim...
Maria Eduarda desprendeu-se, lentamente e perturbada.
- Vamos ver a casa, disse ela.
Começaram pelo segundo andar. A escada era escura e feia: mas os quartos em cima, alegres, esteirados de novo, forrados de papeis claros, abriam sobre o rio e sobre os campos.
- Os seus aposentos, disse Carlos, hão de ser em baixo, está visto, entre as coisas ricas... Mas Rosa e miss Sarah ficam aqui esplendidamente. Não lhe parece?
E ela percorria os quartos, devagar, examinando a acomodação dos armários, palpando a elasticidade dos colchões, atenta, cuidadosa, toda no desvelo de alojar bem a sua gente.