Os Maias - Cap. 13: Capítulo 13 Pág. 373 / 630

O hortelão, dispensado por dois dias, fora a

Vila Franca; não havia ainda criados na casa; as janelas estavam fechadas. E pesava ali, envolvendo a estrada e a vivenda, um desses altos e graves silêncios de aldeia, em que se sente, dormente no ar, o zumbir dos moscardos.

Logo depois do portão, penetrava-se numa fresca rua de acácias, onde cheirava bem. A um lado, por entre a ramagem, aparecia o quiosque, com tecto de madeira, pintado de vermelho, que fora o capricho de Craft, e que ele mobilara à japonesa. E ao fundo era a casa, caiada de novo, com janelas de peitoril, Pérsianas verdes, e a portinha ao centro sobre três degraus, flanqueados por vasos de louça azul cheios de cravos.

Só o meter a chave devagar e com uma inútil cautela na fechadura daquela morada discreta foi para Carlos um prazer. Abriu as janelas: e a larga luz que entrava pareceu-lhe trazer uma doçura rara, e uma alegria maior que a dos outros dias, como preparada especialmente pelo bom Deus para alumiar a festa do seu coração. Correu logo à sala de jantar, a verificar se, na mesa posta para o lanche, se conservavam ainda viçosas as flores que lá deixara na véspera. Depois voltou ao coupé a tirar o caixote de gelo, que trouxera de Lisboa, embrulhado em flanela, entre serradura. Na estrada, silenciosa por ora, ia só passando uma saloia montada na sua égua.

Mas apenas acomodara o gelo - sentiu fora o ruído lento da carruagem. Veio para o gabinete forrado de cretones, que abria sobre o corredor; e ficou ali, espreitando da porta, mas escondido, por causa do cocheiro da Companhia. Daí a um instante viu-a enfim chegar, pela rua de acácias, alta e bela, vestida de preto, e com um meio-véu espesso como uma mascara. Os seus pezinhos subiram os três degraus de pedra. Ele sentiu a sua voz inquieta perguntar de leve:

- Êtes-vous là?

Apareceu - e ficaram um instante, à porta do gabinete, apertando sofregamente as mãos, sem falar, comovidos, deslumbrados.

- Que linda manhã! disse ela por fim, rindo e toda vermelha.

- Linda manhã, linda! repetia Carlos, contemplando-a, enlevado.





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