- O amor que se tem por um monstro, disse Maria, é mais meritório, não é verdade?
- Por isso não acha talvez meritório o amor que se tem por si...
Sentaram-se ao pé da janela, num divã baixo e largo, cheio de almofadas, cercado por um biombo de seda branca, que fazia entre aquele luxo do passado um fofo recanto de conforto moderno: e como ela se queixava um pouco de calor, Carlos abriu a janela. Junto do peitoril crescia também um grande pé de margaridas; adiante, num velho vaso de pedra, pousado sobre a relva, vermelhejava a flor de um cacto; e dos ramos de uma nogueira caía uma fina frescura.
Maria Eduarda veio encostar-se à janela, Carlos seguiu-a; e ficaram ali juntos, calados, profundamente felizes, penetrados pela doçura daquela solidão. Um pássaro cantou de leve no ramo da árvore; depois calou-se. Ela quis saber o nome de uma povoação que branquejava ao longe ao sol na colina azulada. Carlos não se lembrava. Depois brincando, colheu uma margarida, para a interrogar: Ele m'aime, un peu, beaucoup... Ela arrancou-lha das mãos.
- Para que precisa perguntar às flores?
- Porque ainda mo não disse claramente, absolutamente, como eu quero que mo diga...
Abraçou-a pela cinta, sorriam um ao outro. Então Carlos, com os olhos mergulhados nos dela, disse-lhe baixínho e implorando:
- Ainda não vimos a saleta de banho...
Maria Eduarda deixou-se levar assim enlaçada pelo salão, depois através da sala de tapeçarias onde Marte e Vénus se amavam entre os bosques. Os banhos eram ao lado, com um pavimento de azulejo, avivado por um velho tapete vermelho da Carmânia. Ele, tendo-a sempre abraçada, pousou-lhe no pescoço um beijo longo e lento. Ela abandonou-se mais, os seus olhos cerraram-se, pesados e vencidos. Penetraram na alcova quente e cor de ouro: Carlos ao passar desprendeu as cortinas do arco de capela, feitas de uma seda leve que coava para dentro uma claridade loura: e um instante ficaram imóveis, sós enfim, desatado o abraço, sem se tocarem, como suspensos e sufocados pela abundância da sua felicidade.