Os Maias - Cap. 13: Capítulo 13 Pág. 379 / 630

Maria Eduarda terminou por se sentar, cansada, numa poltrona Luiz xv, ampla e nobre, feita para a majestade das anquinhas, recoberta de tapeçaria de Beauvais, de onde parecia exalar-se ainda um vago aroma de empoado.

Carlos triunfava, vendo a admiração de Maria. Então, ainda considerava uma extravagância aquela compra, feita num rasgo de entusiasmo?

- Não, há aqui coisas adoráveis... Nem eu sei se me atreverei a viver uma vida pacata de aldeia no meio de todas estas raridades...

- Não diga isso, exclamava Carlos rindo, que eu pego fogo a tudo!

Mas o que lhe agradou mais foram as belas faianças, toda uma arte imortal e frágil espalhada por sobre o mármore das consolas. Uma sobretudo atraiu-a, uma esplêndida taça persa, de um desenho raro, com um renque de negros ciprestes, cada um abrigando uma flôr de cor viva: e aquilo fazia lembrar breves sorrisos reaparecendo entre longas tristezas. Depois eram as aparatosas majolicas, de tons estridentes e desencontrados, cheias de grandes personagens, Carlos V passando o Elba, Alexandre coroando Roxane; os lindos Nevers, ingénuos e sérios; os Marselhas, onde se abre voluptuosamente, como uma nudez que se mostra, uma grossa rosa vermelha; os Derby, com as suas rendas de ouro sobre o azul-ferrete de céu tropical; os Wedgewood, cor de leite e cor de rosa, com transparências fugitivas de concha na água...

- Só um instante mais, exclamou Carlos vendo-a outra vez sentar-se, é necessário saudar o génio tutelar da casa!

Era ao centro, sobre uma larga peanha, um ídolo japonês de bronze, um deus bestial, nu, pelado, obeso, de papeira, faceto e banhado de riso, com o ventre ovante, distendido na indigestão de todo um universo - e as duas perninhas bambas, moles e flácidas como as peles mortas de um feto. E este monstro triunfava, encaixado sobre um animal fabuloso, de pés humanos, que dobrava para a terra o pescoço submisso, mostrando no focinho e no olho obliquo todo o surdo ressentimento da sua humilhação...

- E pensarmos, dizia Carlos, que gerações inteiras vieram ajoelhar-se diante deste ratão, rezar-lhe, beijar-lhe o umbigo, oferecer-lhe riquezas, morrer por ele...





Os capítulos deste livro