Para poupar aos seus cavalos a soalheira ia na tipoia do Mulato, o batedor favorito do Ega - que recolhia a parelha na velha cavalhariça da Toca, e, até à hora em que Carlos voltava ao Ramalhete, vadiava pelas tabernas.
Ordinariamente ao meio dia, ao acabar de almoçar, Maria Eduarda, ouvindo rodar o trem na estrada silenciosa, vinha esperar Carlos à porta da casa, no topo dos degraus ornados de vasos e resguardados por um fresco toldo de fazenda cor-de-rosa. Na quinta usava sempre vestidos claros; às vezes trazia, à antiga moda espanhola, uma flor entre os cabelos; o forte e fresco ar do campo avivava com um brilho mais quente o mate ebúrneo do seu rosto; - e assim, simples e radiante, entre sol e verdura, ela deslumbrava Carlos cada dia com um encanto inesperado e maior. Cerrando o portão de entrada, que rangia nos gonzos, Carlos sentia-se logo envolvido num «extraordinário conforto moral», como ele dizia, em que todo o seu ser se movia mais facilmente, fluidamente, numa permanente impressão de harmonia e doçura... Mas o seu primeiro beijo era para Rosa, que corria pela rua de acácias ao seu encontro, com uma onda de cabelo negro a bater-lhe os ombros, e Niniche ao lado, pulando e ladrando de alegria. Ele erguia Rosa ao colo. Maria de longe sorria-lhes, sob o toldo cor-de-rosa. Em redor tudo era luminoso, familiar e cheio de paz.
A casa dentro resplandecia com um arranjo mais delicado. Já se podia usar o salão nobre, que perdera o seu ar rígido de museu, exalando a tristeza de um luxo morto: as flores que Maria punha nos vasos, um jornal esquecido, as lãs de um bordado, o simples roçar dos seus frescos vestidos, tinham comunicado já um subtil calor de vida e de conchego aos mais empertigados contadores do tempo de Carlos V, revestidos de ferro brunido: - e era ali que eles ficavam conversando enquanto não chegava a hora das lições de Rosa.
A essa hora aparecia miss Sarah, séria e recolhida - sempre de preto, com uma ferradura de prata em broche sobre o colarinho direito de homem.