Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 409 / 630

Maria acariciou os cavalos, e fez uma festa grata e mais longa à Tunante, que tantas vezes levara Carlos à rua de S. Francisco. Ele via nestas simples coisas as graças incomparáveis de uma esposa perfeita.

Recolheram pela escada particular de Carlos - que Maria achava «misteriosa» com aqueles veludos grossos cor de cereja, forrando-a como um cofre, e abafando todo o rumor de saias. Carlos jurou que nunca ali passara outro vestido - a não ser o do Ega, uma vez, mascarado de varina.

Depois deixou-a no quarto, um momento para ir dar ordens ao Baptista: mas quando voltou encontrou-a a um canto do sofá, tão descaída, tão desanimada, que lhe arrebatou as mãos, cheio de inquietação.

- Que tens, amor? Estás doente?

Ela ergueu lentamente os olhos que brilhavam numa nevoa de lágrimas.

Pensar que tu vais deixar por mim esta linda casa, o teu conforto, a tua paz, os teus amigos... É uma tristeza, tenho remorsos!

Carlos ajoelhara ao seu lado, sorrindo dos seus escrúpulos, chamando-lhe tonta, secando-lhe num beijo as lágrimas que rolavam... Considerava-se ela então valendo menos que a cascata do jardim e alguns tapetes usados?...

- O que eu tenho pena é de te sacrificar tão pouco, minha querida Maria, quando tu sacrificas tanto!

Ela encolheu os ombros, amargamente.

- Eu!

Passou-lhe as mãos entre os cabelos, puxou-o brandamente para o seu seio - e dizia, baixo, como falando ao seu próprio coração, calmando-lhe as incertezas e as duvidas:

- Não, com efeito, nada vale no mundo senão o nosso amor! Nada mais vale! Se ele é verdadeiro, se é profundo, tudo mais é vão, nada mais importa...

A sua voz morreu entre os beijos de Carlos, que a levava abraçada para o leito - onde tentas vezes desesperava dela como de uma deusa intangível.

Às cinco horas pensaram em jantar. A mesa fora posta numa saleta que Carlos quisera em tempo revestir de colchas de cetim cor de pérola e botão de ouro. Mas não estava ainda arranjada; as paredes conservavam o seu papel verde-escuro; e Carlos pusera ali ultimamente o retrato de seu pai - uma teia banal, representando um moço pálido, de grandes olhos, com luvas de camurça amarela e um chicote na mão.





Os capítulos deste livro