Porque não? dizia Maria, séria. Sabia bem que ele não descera das nuvens, puro como um serafim. Havia sempre fotografias no passado de um homem. De resto tinha a certeza que nunca amara as outras como a sabia amar a ela.
- Até é uma profanação falar em amor quando se trata dessas coisas de acaso, murmurou Carlos. São quartos de estalagem onde se dorme uma vez...
No entanto Maria considerava longamente a fotografia da coronela d'hussards. Parecia-lhe bem linda! Quem era? Uma francesa?
- Não, de Viena. Mulher de um correspondente meu, homem de negócios... Gente tranquila, que vivia no campo...
- Ah, Vienense... Dizem que tem um grande encanto as mulheres de Viena!
Carlos tirou-lhe a fotografia da mão. Para que haviam de falar doutras mulheres? Existia em todo o vasto mundo uma mulher única, e ele tinha-a ali abraçada sobre o seu coração.
Foram então percorrer todo o Ramalhete, até ao terraço. Ela gostou sobretudo do escritório de Afonso, com os seus damascos de câmara de prelado, a sua feição severa de paz estudiosa.
- Não sei porque, murmurou dando um olhar lento às estantes pesadas e ao Cristo na cruz, não sei porque, mas teu avô faz-me medo!
Carlos riu. Que tonteria! O avô se a conhecesse, fazia-lhe logo a corte rasgadamente... O avô era um santo! E um lindo velho!
- Teve paixões?
- Não sei, talvez... Mas creio que o avô foi sempre um puritano.
Desceram ao jardim, que lhe agradou também, quieto e burguês, com a sua cascatazinha chorando num ritmo doce. Sentaram-se um instante sob o velho cedro, junto a uma mesa rústica de pedra, onde estavam entalhadas letras mal distintas e uma data antiga; o chalrar das aves nos ramos pareceu a Maria mais doce que o de todas as outras aves que ouvira; depois arranjou um ramo para levar como relíquia.
Mesmo em cabelo foram ver defronte as cocheiras: o guarda-portão ficou de boné na mão, embasbacado para aquela senhora tão linda, tão loira, a primeira que via entrar no Ramalhete!