Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 411 / 630

E o mesmo desejo invadiu-os a ambos, de ficarem ali eternamente, naquele quarto de rapaz, com jantarinhos portugueses à moda de D. João V, servidos pelo Baptista de jaquetão.

- Estou com uma vontade de perder o comboio! disse Carlos como implorando a sua aprovação.

- Não, deves ir... é necessário não sermos egoístas... Somente não te descuides, manda-me todos os dias um grande telegrama... Que os telégrafos foram unicamente inventados para quem se ama e está longe, como dizia a mamã.

Então Carlos gracejou de novo sobre a sua parecença com a mãe dela. E baixando-se a remexer a garrafa de champagne dentro do gelo:

- É curioso não mo teres dito antes... Também tu nunca me falaste de tua mãe...

Um pouco de sangue roseou a face de Maria Eduarda. Oh, nunca falara da mamã, porque nunca viera a propósito...

- De resto não havia coisas muito interessantes a contar, acrescentou. A mamã era uma senhora da ilha da Madeira, não tinha fortuna, casou...

- Casou em Paris?

- Não, casou na Madeira com um austríaco que fora lá acompanhar um irmão tisico... Era um homem muito distinto, viu a mamã, que era lindíssima, gostaram um do outro, et voilà...

Dissera isto sem erguer os olhos do prato, lentamente, cortando uma aza de frango.

- Mas então, exclamou Carlos, se teu pai era austríaco, meu amor, tu és também austríaca... És talvez uma dessas vienenses que tu dizes que tem um tão grande encanto...

Sim, talvez, segundo essas coisas dos códigos, era austríaca. Mas nunca conhecera o pai, vivera sempre com a mamã, falara sempre português, considerava-se portuguesa. Nunca estivera na Áustria, nem sabia mesmo alemão...

- Não tiveste irmãos?

- Sim, tive, uma irmãzinha que morreu em pequena... Mas não me lembra. Tenho em Paris o retrato dela... Bem linda!

Nesse momento em baixo, na calçada, uma carruagem, a trote largo, estacou. Carlos, surpreendido, correu à janela com o guardanapo na mão.

- É o Ega! exclamou. É aquele velhaco que chega de Sintra!





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