Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 415 / 630

Aceitar esse romance, a que não veria os lados desagradáveis, esbatido assim pela distancia e pela névoa da paixão. Seria para Afonso uma vaga e mal sabida coisa de amor que se passava em Itália... Poderia lamentá-la apenas por lhe levar pontualmente todos os anos o neto para longe; e cada ano se consolaria pensando na curta duração dos idílios humanos. De resto Carlos contava com essa larga benevolência que amolece as almas mais rígidas quando apenas alguns passos as separam do túmulo... Enfim o seu truque parecia-lhe bom. Ega, em resumo, aprovou o truque.

Depois, mais alegremente, falaram da instalação desse amor. Carlos permanecia na sua ideia romântica um cotage à beira de um lago. Mas Ega não aprovava o lago. Ter todos os dias diante dos olhos uma água sempre mansa e sempre azul, parecia-lhe perigoso para a durabilidade da paixão. Na quietação continua de uma paisagem igual, dois amantes solitários, dizia ele, não sendo botânicos nem pescando à linha, vêem-se forçados a viver exclusivamente do desejo um do outro, e a tirar daí todas as suas ideias, sensações, ocupações, gracejos e silêncios... E, que diabo, o mais forte sentimento não pode dar para tanto! Dois amantes, cuja única profissão é amarem-se, deviam procurar uma cidade, uma vasta cidade, tumultuosa e criadora, onde o homem tenha durante o dia os clubs, o cavaco, os museus, as ideias, o sorriso doutras mulheres - e a mulher tenha as ruas, as compras, os teatros, a atenção doutros homens; de sorte que à noite, quando se reúnam, não tendo passado o infindável dia a observarem-se um no outro e a si próprios, trazendo cada um a vibração da vida forte que atravessaram - achem um encanto novo e verdadeiro no conchego da sua solidão, e um sabor sempre renovado na repetição dos seus beijos...

- Eu, continuava Ega, erguendo-se, se levasse para longe uma mulher, não era para um lago, nem para a Suíça, nem para os montes da Sicília; era para Paris, para o boulevard dos Italianos, ali à esquina do Vaudeville, com janelas deitando para a grande vida, a um passo do Fígaro, do Louvre, da Filosofia e da blague... Aqui tens tu a minha doutrina!...





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