Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 416 / 630

E aí temos nós o amigo Baptista com o correio.

Não era o correio. Era apenas um bilhete que o Baptista trazia numa salva: e vinha tão perturbado que anunciou «um sujeito, ali fora, na antecâmara, numa carruagem, à espera...»

Carlos olhou o bilhete, empalideceu terrivelmente. E ficou a revirá-lo, lento e como atordoado, entre os dedos que tremiam... Depois, em silêncio, atirou-o ao Ega por cima da mesa.

- Caramba! murmurou Ega, assombrado.

Era Castro Gomes!

Bruscamente Carlos erguera-se, decidido.

- Manda entrar... Para o salão grande!

Baptista apontou para o jaquetão de flanela com que Carlos tinha almoçado, e perguntou baixo se S. Ex.ª queria uma sobrecasaca.

- Trás.

Sós, Ega e Carlos olharam-se um instante, ansiosamente.

- Não é um desafio, está claro, balbuciou Ega.

Carlos não respondeu. Examinava outra vez o bilhete: o homem chamava-se Joaquim Alvares de Castro Gomes: por baixo tinha escrito a lápis «Hotel Bragança»... Baptista voltara com a sobrecasaca: e Carlos, abotoando-a devagar, saiu sem outra mais palavra ao Ega, que ficara de pé junto da mesa, limpando estupidamente as mãos ao guardanapo.

No salão nobre, forrado de brocados cor de musgo d'outono, Castro Gomes examinava curiosamente, com um joelho apoiado à borda do sofá, a esplêndida tela de Constable, o retrato da condessa de Runa, bela e forte no seu vestido de veludo escarlate de caçadora inglesa. Ao rumor dos passos de Carlos sobre o tapete, voltou-se, de chapéu branco na mão, sorrindo, pedindo perdão de estar assim a pasmar familiarmente para aquele soberbo Constable... Com um gesto rígido, Carlos, muito pálido, indicou-lhe o sofá. Saudando e risonho Castro Gomes sentou-se vagarosamente. No peito da sobrecasaca muito justa trazia um botão de rosas, os seus sapatos de verniz resplandeciam sob as polainas de linho; no rosto chupado, queimado, a barba negra, terminava em bico; os cabelos rareavam-lhe na risca; e mesmo a sorrir tinha um ar de secura, de fadiga.





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