Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 424 / 630

Decerto, tudo isso era uma humilhação irritante - não superior todavia à de um homem que tem uma Madona que contempla com religião, supondo-a de Rafael, e que descobre um dia que a tela divina foi fabricada na Baía por um sujeito chamado Castro Gomes! Mas o resultado íntimo e social parecia-lhe ser este: Carlos até aí tivera uma bela amante com inconvenientes, e agora tinha sem inconvenientes uma bela amante...

- O que tu deves fazer, meu caro Carlos...

- O que eu vou fazer é escrever-lhe uma carta, remetendo-lhe o preço de dois meses que dormi com ela...

- Brutalidade romântica!... Isso já vem na Dama das Camélias... Sobretudo é não ver com boa filosofia as nuances.

O outro atalhou, impaciente:

- Bem, Ega, não falemos mais nisso... Eu estou horrivelmente nervoso!... Até logo. Tu jantas em casa, não é verdade? Bem, até logo.

Saía atirando a porta, quando Ega agora tranquilo, disse, erguendo-se muito lentamente do sofá:

- O homenzinho foi para lá.

Carlos voltou-se, com os olhos chamejantes:

- Foi para os Olivais? Foi ter com ela?

Sim, pelo menos mandara a tipoia à quinta do Craft. Ega, para conhecer esse Sr. Castro Gomes, fora meter-se no cubículo do guarda-portão. E vira-o descer, acender um charuto... Era com efeito um desses rastaquouèros que, nesse infeliz Paris que tudo tolera, veem ao Café de la Paix às duas horas para tomar a sua groseile, tesos e embrutecidos... E fora o guarda-portão que lhe dissera que o sujeito parecia muito alegre e mandara o cocheiro bater para os Olivais...

Carlos parecia aniquilado:

- Tudo isso é nojento!... No fim talvez até se entendam ambos... Estou como tu dizias aqui há tempos: «Caiu-me a alma a uma latrina, preciso um banho por dentro!»

Ega murmurou melancolicamente:

- Essa necessidade de banhos morais está-se tornando com efeito tão frequente!... Devia haver na cidade um estabelecimento para eles.





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