Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 425 / 630

Carlos, no seu quarto, passeava diante da mesa onde a folha branca de papel, em que ia escrever a Maria Eduarda, já tinha a data desse dia, depois - Minha senhora, numa letra que ele se esforçara por traçar firme e serena: - e não achava outra palavra. Estava bem decidido a mandar-lhe um cheque de duzentas libras, paga esplendidamente ultrajante das semanas que passara no seu leito. Mas queria juntar duas linhas regeladas, impassíveis, que a ferissem mais que o dinheiro: não encontrava senão frases de grande cólera, revelando um grande amor.

Olhava a folha branca: e a banal expressão Minha senhora dava-lhe uma saudade dilacerante por aquela a quem na véspera ainda dizia «minha adorada», pela mulher que se não chamava ainda Mac-Gren, que era perfeita, e que uma paixão indomável, superior à razão, entontecera e vencera. E o seu amor por essa Maria Eduarda, nobre e amante, que se transformara na Mac-Gren, amigada e falsa, era agora maior infinitamente, desesperado por ser irrealizável - como o que se tem por uma morta e que palpita mais ardente junto da frialdade da cova. Oh! se ela pudesse ressurgir outra vez, limpa, clara, do lodo em que afundara, outra vez Maria Eduarda, com o seu casto bordado!... De que amor mais delicado a cercaria, para a compensar das afeições domesticas que ela deixasse de merecer! Que veneração maior lhe consagraria - para suprir o respeito que o mundo superficial e afectado lhe retirasse! E ela tinha tudo para reter amor e respeito - tinha a beleza, a graça, a inteligência, a alegria, a maternidade, a bondade, um incomparável gosto... E com todas estas qualidades doces e fortes - era apenas uma intrujona! Mas porque? porque? Porque entrara ela nesta longa fraude, tramada dia a dia, mentindo em tudo, desde o pudor que fingia até ao nome que usava!

Apertava a cabeça entre as mãos, achava a vida intolerável. Se ela mentia - onde havia então a verdade? Se ela o traía assim, com aqueles olhos claros, o universo podia bem ser todo uma imensa traição muda. Punha-se um molho de rosas num vaso, exalava-se dele a peste! Caminhava-se para uma relva fresca, ela escondia um lamaçal! E para que, para que mentira ela?





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