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- Vamos ter chuva, tio André, disse ele, passando junto do velho jardineiro que aparava o buxo.
O tio André, atarantado, arrancou o chapéu. Ah! uma gota de água era bem necessária, depois da estiagem! O torrãozinho já estava com sede! E em casa todos bons? A senhora? A menina?
- Tudo bom, tio André, obrigado.
E no seu desejo de ver todos em torno de si felizes como ele e como a terra sequiosa que ia ser consolada - Carlos meteu uma libra na mão do tio André, que ficou deslumbrado, sem ousar fechar os dedos sobre aquele ouro extraordinário que reluziu.
Quando Maria entrou no quiosque trazia um cofre de sândalo. Atirou-o para o divã: fez sentar Carlos ao lado, bem confortável, entre almofadas: acendeu-lhe uma cigarrete. Depois agachou-se aos seus pés, sobre o tapete, como na humildade de uma confissão.
- Estás bem assim? Queres que o Domingos te traga água e cognac?... Não? Então ouve agora, quero-te contar tudo...
Era toda a sua existência que ela desejava contar. Pensara mesmo em lha escrever numa carta interminável, como nos romances.
Mas decidira antes tagarelar ali uma manhã inteira, aninhada aos seus pés.
- Estás bem, não estás?
Carlos esperava, comovido. Sabia que aqueles lábios amados iam fazer revelações pungentes para o seu coração e amargas para o seu orgulho. Mas a confidência da sua vida completava a posse da sua pessoa: quando a conhecesse toda no seu passado senti-la-ia mais sua inteiramente. E no fundo tinha uma curiosidade insaciável dessas coisas que o deviam pungir e que o deviam humilhar.
- Sim, conta... Depois esquecemos tudo e para sempre. Mas agora diz, conta... Onde nasceste tu por fim?
Nascera em Viena: mas pouco se recordava dos tempos de criança, quase nada sabia do papá, a não ser a sua grande nobreza e a sua grande beleza. Tivera uma irmãzinha que morrera de dois anos e que se chamava Heloísa.