Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 467 / 630

Ergueu-se, abalado. E então ali, sob essas árvores desfolhadas, onde durante o verão, quando elas se enchiam de sombra e de murmúrio, ele passeara com Maria, esposa eleita da sua vida - Carlos perguntou pela vez primeira a si mesmo se a honra domestica, a honra social, a pureza dos homens de quem descendia, a dignidade dos homens que dele descendessem lhe permitiam em verdade casar com ela...

Dedicar-lhe toda a sua afeição, toda a sua fortuna, certamente! Mas casar... E se tivesse um filho? O seu filho, já homem, altivo e puro, poderia um dia ler numa Corneta do Diabo que sua mãe fora amante de um brasileiro, depois de ser amante de um irlandês. E se seu filho lhe viesse gritar, numa bela indignação, «é uma calúnia?» - ele teria de baixar a cabeça, murmurar - «é uma verdade!» E seu filho veria para sempre colada a si aquela mãe de quem o mundo ignorava os martírios e os encantos - mas de quem conhecia cruelmente os erros.

E ela mesma! Se ele apelasse para a sua razão, alta e tão recta, mostrando-lhe as zombarias e as afrontas de que uma vil Corneta do Diabo poderia um dia trespassar o filho que deles nascesse - ela mesma o desligaria alegremente do seu voto, contente em entrar no Ramalhete pela escadinha secreta forrada de veludo cor de cereja, contanto que em cima a esperasse um amor constante e forte... Nunca ela tornara, em todo o verão, a aludir a uma união diferente dessa em que os seus corações viviam tão lealmente, tão confortavelmente. Não, Maria não era uma devota, preocupada «do pecado mortal»! Que lhe podia importar a estola banal do padre?...

Sim; mas ele que lhe pedira essa consagração na hora mais comovida do seu longo amor, iria dizer-lhe agora - «foi uma criancice, não pensemos mais nisso, desculpa?» Não; nem o seu coração o desejava! Antes pendia todo para ela... Pendia todo para ela, num enternecimento mais generoso e mais quente - enquanto a sua razão assim arengava, cautelosa e austera. Ele tinha naquela alma o seu culto perfeito, naqueles braços a sua voluptuosidade magnífica; fora dali não havia felicidade; a única sabedoria era prender-se a ela pelo derradeiro elo, o mais forte, o seu nome, embora as Cornetas do Diabo atroassem todo o ar.





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