Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 468 / 630

E assim afrontaria o mundo numa soberba revolta, afirmando a omnipotência, o reino único da Paixão... Mas primeiro mataria o foliculário! - Passeava, esmagava a relva. E todos os seus pensamentos se resolviam por fim em fúria contra o infame que babara sobre o seu amor, e durante um instante introduzia na sua vida tanta incerteza e tanto tormento!

Maria ao lado abriu a janela. Estava vestida de escuro para sair; e bastou o brilho terno do seu sorriso, aqueles ombros a que o estofo justo modelava a beleza cheia e quente - para que Carlos detestasse logo as duvidas desleais e covardes, a que se abandonara um momento sob as árvores desfolhadas... Correu para ela. O beijo que lhe deu, lento e mudo, teve a humildade de um perdão que se implora.

- Que tens tu, que estás tão sério?

Ele sorriu. Sério, no sentido de solene, não estava. Talvez secado. Recebera uma carta do Ega, uma das eternas complicações do Ega. E precisava ir a Lisboa, ficar lá naturalmente toda a noite...

- Toda a noite? exclamou ela com um desapontamento, pousando-lhe as mãos sobre os ombros.

- Sim, é bem possível, um horror! Nos negócios do Ega há fatalmente o inesperado... Tu com efeito vais a Lisboa?

- Agora, com mais razão... Se me queres.

- O dia está bonito... Mas há de fazer frio na estrada.

Maria justamente gostava desses dias de inverno, cheios de sol, com um arzinho vivo e arrepiado. Tornavam-na mais leve, mais esperta.

- Bem, bem, disse Carlos atirando o cigarro. Vamos ao almoço, minha filha... O pobre Ega deve estar a uivar de impaciência.

Enquanto Maria correra a apressar o Domingos - Carlos, através da relva húmida, foi ainda lentamente até ao renque baixo de arbustos que daquele lado fechava a Toca como uma sebe. Aí a colina descia, com quintarolas, muros brancos, olivedos, uma grande chaminé de fabrica que fumegava: para além era o azul fino e frio do rio: depois os montes, de um azul mais carregado, com a casaria branca da povoação aninhada à beira da água, nítida e suave na transparência do ar macio. Parou um momento, olhando.





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