E não trazia suficiente dinheiro. Tomaram uma tipoia para correr ao escritório do Vilaça. O procurador fora a Mafra, a um baptizado. Carlos teve de ir pedir cem mil reis ao velho Cortez, alfaiate do avô. Quando perto das quatro horas se apearam à entrada do Lisbonense, no largo de Santa Justa, o Palma no portal, com um jaquetão de veludo coçado e calça de casimira clara colado à cocha, acendia um cigarro. Estendeu logo rasgadamente a mão a Carlos - que lhe não tocou. E Palma Cavalão, sem se ofender, com a mão abandonada no ar, declarou que ia justamente sair, cansado já de esperar em cima diante de um grog frio. De resto sentia que o Sr. Maia se incomodasse em vir ali...
- Eu arranjava cá o negociozinho com o amigo Ega... Em todo o caso, se os senhores querem, vamos lá pra cima para um gabinete, que se está mais à vontade, e toma-se outra bebida.
Subindo a escada lobrega, Carlos recordava-se de ter já visto aquela luneta de vidros grossos, aquela cara balofa cor de cidra...Sim, fora em Sintra, com o Eusébiozinho e duas espanholas, nesse dia em que ele farejara pelas estradas silenciosas, como um cão abandonado, procurando Maria!... Isto tornou-lhe mais odioso o Sr. Palma. Em cima entraram num cubículo, com uma janela gradeada por onde resvalava uma luz suja de saguão. Na toalha da mesa, salpicada de gordura e vinho, alguns pratos rodeavam um galheteiro que tinha moscas no azeite. O Sr. Palma bateu as palmas, mandou vir genebra. Depois dando um grande puxão às calças:
- Pois eu espero que me acho aqui entre cavalheiros. Como eu já disse cá ao amigo Ega, em todo este negócio...
Carlos atalhou-o, tocando muito significativamente com a ponteira da bengala na borda da mesa.
- Vamos ao ponto essencial... Quanto quer o Sr. Palma por me dizer quem lhe encomendou o artigo da Corneta?
- Dizer quem o encomendou, e prová-lo! acudiu o Ega, que examinava na parede uma gravura onde havia mulheres nuas à beira d'agua. Não nos basta o nome... O amigo Palma, está claro, é de toda a confiança... Mas enfim, que diabo, não é natural que nós acreditássemos se o amigo nos dissesse que tinha sido o Sr. D. Luiz de Bragança!