Santo Deus! Para que eram tantos apuros numa carta ao Carlos, um rapaz íntimo? Uma linha bastaria: - «Meu querido Carlos, não te zangues, desculpa, foi brincadeira.» Mas não! Toda uma página de letra miúda com entrelinhas! Já mesmo Ega voltava a folha, molhava a pena, como se dela devessem escorrer sem cessar coisas humilhadoras! Não se conteve, estendeu a face por sobre a mesa, até o papel:
- Ó Ega, isso não é para publicar, pois não é verdade?
Ega reflectiu, com a pena no ar:
- Talvez não... Estou certo que não. Naturalmente Carlos, vendo o seu arrependimento, deixa isto esquecido no fundo de uma gaveta.
Dâmaso respirou com alivio. Ah, bem! Isso parecia-lhe mais decente entre amigos! Que lá isso, mostrar o seu arrependimento, até ele desejava! Com efeito o artigo fora uma tolice... Mas então! Em questões de mulheres era assim, assomado, um leão...
Abanou-se com o lenço, desanuviado, recomeçando a achar sabor à vida. Findou mesmo por acender um charuto, levantar-se sem rumor acercar-se do Cruges - que, coxeando através das curiosidades da sala, encalhara sobre o piano e sobre os livros de música, com o pé dorido no ar.
- Então tem-se feito alguma coisa de novo, Cruges?
Cruges, muito vermelho, resmungou que não tinha feito nada.
Dâmaso ficou ali um momento, a mascar o charuto. Depois, atirando um olhar inquieto à mesa onde o Ega rascunhava interminavelmente, murmurou, sobre o ombro do maestro:
- Uma entaladela assim! Eu é por causa da gente conhecida... Senão não me importava! Mas veja você também se arranja as coisas e se o Carlos deixa aquilo na gaveta...
Justamente Ega erguera-se com o papel na mão e caminhava para o piano, devagar, relendo baixo.
- Ficou óptimo, salva tudo! exclamou por fim. Vai em forma de carta ao Carlos, é mais correcto. Você depois copia e assina.