Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 490 / 630

Ouça lá: «Exmo. Sr... Está claro, você dá-lhe excelência, porque é um documento de honra... Exmo. Sr. - Tendo-me V. Ex.ª, por intermédio dos seus amigos João da Ega e Victorino Cruges, manifestado a indignação que lhe causara um certo artigo da Corneta do Diabo de que eu escrevi o rascunho e de que promovi a publicação, venho declarar francamente a V. Ex.ª que esse artigo, como agora reconheço, não continha senão falsidades e incoerências: e a minha desculpa única está em que o compus e enviei à redacção da Corneta no momento de me achar no mais completo estado de embriaguez...»

Parou. E nem se voltou para o Dâmaso, que deixara pender os braços, rolar o charuto no tapete, varado. Foi ao Cruges que se dirigiu, entalando o monóculo:

- Achas talvez forte?... Pois eu redigi assim por ser justamente a única maneira de ressalvar a dignidade do nosso Dâmaso.

E desenvolveu a sua ideia, mostrando quanto era generosa e hábil - enquanto o Dâmaso, aparvalhado, apanhava o charuto. Nem Carlos nem ele queriam que o Dâmaso numa carta (que se podia tornar publica) declarasse «que caluniara por ser caluniador». Era necessário, pois, dar à calúnia uma dessas causas fortuitas e ingovernáveis que tiram a responsabilidade às acções. E que melhor, tratando-se de um rapaz mundano e femeeiro, do que estar bêbedo?... Não era vergonha para ninguém embebedar-se... O próprio Carlos, todos eles ali, homens de gosto e de honra, se tinham embebedado. Sem remontar aos romanos, onde isso era uma higiene e um luxo, muitos grandes homens na História bebiam de mais. Em Inglaterra era tão chic, que Pit, Fox e outros nunca falavam na Camara dos comuns senão aos bordos. Musset, por exemplo, que bêbedo! Enfim a História, a Literatura, a política, tudo fervilhava de piteiras... Ora, desde que o Dâmaso se declarava borracho, a sua honra ficava salva. Era um homem de bem que apanhara uma carraspana e que cometera uma indiscrição... Nada mais!





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