Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 501 / 630

Dentro do pátio desse jornal elegante fedia. Na escadaria de pedra, sem luz, cruzou um sujeito encatarrado que lhe disse que o Neves estava em cima ao cavaco. O Neves, deputado, político, director da Tarde, fora, havia anos, numas férias, seu companheiro de casa no largo do Carmo; e desde esse verão alegre em que o Neves lhe ficara sempre devendo três moedas, os dois tratavam-se por tu.

Foi encontrá-lo numa vasta sala alumiada por bicos de gás sem globo, sentado na borda numa mesa atulhada de jornais, com o chapéu para a nuca, discursando a alguns cavalheiros de província que o escutavam de pé, num respeito de crentes. Num vão de janela, com dois homens de idade, um rapaz esgalgado, de jaquetão de cheviote claro e uma cabeleira crespa que parecia erguida numa rajada de vento, bracejava como um moinho na crista de um monte. E, abancado, outro sujeito já calvo rascunhava laboriosamente uma tira de papel.

Ao ver o Ega (um íntimo do Gouvarinho) ali na redacção, naquela noite de intriga e de crise, Neves cravou nele os olhos tão curiosos, tão inquietos, que o Ega apressou-se a dizer:

- Nada de política, negócio particular... Não te interrompas. Depois falaremos.

O outro findou a injúria que estava lançando ao José Bento, «essa grande besta que fora meter tudo no bico da amiga do Sousa e Sá, o par do reino» - e na sua impaciência saltou da mesa, travou do braço do Ega arrastando-o para um canto:

- Então que é?

- É isto, em quatro palavras. O Carlos da Maia foi ofendido aí por um sujeito muito conhecido. Nada de interessante. Um parágrafo imundo na Corneta do Diabo, por uma questão de cavalos... O Maia pediu-lhe explicações. O outro deu-as, chatas, medonhas, numa carta que quero que vocês publiquem.

A curiosidade do Neves flamejou:

- Quem é?

- O Dâmaso.

O Neves recuou de assombro:

- O Dâmaso!? Ora essa! Isso é extraordinário! Ainda esta tarde jantei com ele! Que diz a carta?

- Tudo. Pede perdão, declara que estava bêbedo, que é de profissão um bêbedo...

O Neves agitou as mãos com indignação:

- E tu querias que eu publicasse isso, homem? O Dâmaso, nosso amigo político!...





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