Os Maias - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 51 / 630

O perceptor, solidamente abotoado na sua longa sobrecasaca militar, deu toda a volta à mesa, rígido e teso, para vir sacudir o Vilaça num tremendo shake-hands; depois, sem uma palavra, reocupou o seu lugar, desdobrou o guardanapo, cofiou os formidáveis bigodes, e foi então que disse ao Vilaça, com o seu forte acento inglês:

- Muito belo dia... glorioso!

- Tempo de rosas, respondeu o Vilaça, cumprimentando, intimidado diante daquele atleta.

Naturalmente, nesse dia, falou-se da jornada de Lisboa, do bom serviço da mala-posta, do caminho de ferro que se ia abrir... O Vilaça já viera no comboio até ao Carregado.

- De causar horror, hein? perguntou o abade, suspendendo a colher que ia levar à boca.

O excelente homem nunca saíra de Resende; e todo o largo mundo, que ficava para além da penumbra da sua sacristia e das árvores do seu passal, lhe dava o terror de uma Babel. Sobre tudo essa estrada de ferro, de que tanto se falava...

- Faz arrepiar um bocado, afirmou com experiência Vilaça. Digam o que disserem, faz arrepiar!

Mas o abade assustava-se sobre tudo com as inevitáveis desgraças dessas máquinas!

O Vilaça então lembrou os desastres da mala-posta. No de Alcobaça, quando tudo se virou, ficaram esmagadas duas irmãs de caridade! Enfim de todos os modos havia perigos. Podia-se quebrar uma perna a passear no quarto...

O abade gostava do progresso... Achava até necessário o progresso. Mas parecia-lhe que se queria fazer tudo à lufa-lufa... O país não estava para essas invenções; o que precisava eram boas estradinhas...

- E economia! disse o Vilaça, puxando para si os pimentões.

- Bucelas? murmurou-lhe sobre o ombro o escudeiro.

O administrador ergueu o copo, depois de cheio, admirou-lhe à luz a cor rica, provou-o com a ponta do lábio, e piscando o olho para Afonso:

- É do nosso!

- Do velho, disse Afonso. Pergunte ao Brown... Hein, Brown, um bom néctar?

- Magnificente! exclamou o perceptor com uma energia fogosa.

Então Carlos, estendendo o braço por cima da mesa, reclamou também Bucelas. E a sua razão era haver festa por ter chegado o Vilaça. O avô não consentiu; o menino teria o seu cálice de Colares, como de costume, e um só.





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