Os Maias - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 517 / 630

- Merci...

Na sala o silêncio impressionava. Rufino, com gestos de quem traça numa tela linhas lentas e nobres, descrevia a doçura de uma aldeia, a aldeia em que ele nascera, ao pôr do sol. E o seu vozeirão velava-se, enternecido, morrendo num rumor de crepúsculo. Então Steinbroken, subtilmente, tocou no ombro do Ega. Queria saber se era esse o grande orador de que lhe tinham falado...

Ega afirmou com patriotismo que era um dos maiores oradores da Europa!

- Em qual génerro?...

- Género sublime, género de Demóstenes!

Steinbroken alçou as sobrancelhas com admiração, falou em finlandês ao seu secretario que entalou languidamente o monóculo: e com as claques debaixo do braço, cerrados os olhos, recolhidos como num templo, os dois enviados da Finlândia ficaram escutando, á espera do sublime.

Rufino, no entanto, com as mãos descaídas, confessava uma fragilidade de sua alma! Apesar da poesia ambiente dessa sua aldeia natal, onde a violeta em cada prado, o rouxinol em cada balseira provavam Deus irrefutavelmente, - ele fora dilacerado pelo espinho da descrença! Sim, quantas vezes, ao cair da tarde, quando os sinos da velha torre choravam no ar a Ave-Maria e no vale cantavam as ceifeiras, ele passara junto da cruz do adro e da cruz do cemitério, atirando-lhes de lado, cruelmente, o sorriso frio de Voltaire...

Um largo frémito de emoção passou. Vozes sufocadas de gozo mal podiam : murmurar «muito bem, muito bem...»

Pois fora nesse estado, devorado pela duvida, que Rufino ouvira um grito de horror ressoar por sobre o nosso Portugal... Que sucedera? Era a Natureza que atacava seus filhos! - E lançando os braços, como quem se debate numa catástrofe, Rufino pintou a inundação... Aqui aluía um casal, ninho florido de amores; além, na quebrada, passava o balar choroso dos gados; mais longe as negras águas iam juntamente arrastando um botão de rosa e um berço!...

Os bravos partiram profundos e roucos de peitos que arfavam.





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