Os Maias - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 518 / 630

E em torno de Carlos e do Ega sujeitos voltavam-se apaixonadamente uns para os outros, com um brilho na face, comungando no mesmo entusiasmo: «Que rajadas!... Caramba!... Sublime!...»

Rufino sorria bebendo esta comoção, que era a obra do seu verbo. Depois, respeitosamente, voltou-se para as cadeiras reais, solenes e vazias...

Vendo que a cólera da Natureza rugia implacável ele erguera os olhos para o natural abrigo, para o exaltado lugar de onde desce a salvação, para o Trono de Portugal! E de repente, deslumbrado, vira por sobre ele estenderam-se as asas brancas de um anjo! Era o anjo da esmola, meus senhores! E de onde vinha? de onde recebera a inspiração da caridade? de onde saía assim, com os seus cabelos de ouro? Dos livros da ciência? dos laboratórios químicos? Desses anfiteatros de anatomia onde se nega covardemente a alma? Das secas escolas de filosofia que fazem de Jesus um precursor de Robespierre? Não! Ele ousara interrogar o anjo, submisso, com o joelho em terra. E o anjo da esmola, apontando o espaço divino, murmurara: «Venho de além!»

Então pelos bancos apinhados correu um sussurro de enlevo. Era como se os estuques do tecto se abrissem, os anjos cantassem no alto. Um estremecimento devoto e poético arrepiava as caias das senhoras.

E Rufino findava, com uma altiva certeza na alma! Sim, meus senhores! Desde esse momento, a duvida fora nele como a névoa que o sol, este radiante sol português, desfaz nos ares... E agora, apesar de todas as ironias da ciência, apesar dos escárnios orgulhosos de um Benan, de um Litré e de um Spencer, ele, que recebera a confidencia divina, podia ali, com a mão sobre o coração, afirmar a todos bem alto - havia um céu!

- Apoiado! mugiu na coxia o padre sebento.

E por todo o salão, no aperto e no calor do gaz, os cavalheiros das Secretarias, da Arcada, da Casa Havaneza, berrando, batendo as mãos, afirmaram soberbamente o céu!

O Ega que ria, divertido, sentiu ao lado um som rouco de cólera. Era o Alencar, de paletó, de gravata branca, cofiando sombriamente os bigodes.





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