Ega compreendeu, atalhou logo, cheio de franqueza e bonomia:
- V. Ex.ª refere-se a uma carta que seu sobrinho me escreveu...
- Carta que V. Ex.ª ditou! Carta que V. Ex.ª o forçou a assinar!
- Eu?...
- Afirmou-mo ele, senhor!
Alencar interveio:
- Falem vocês baixo, que diabo!... Isto é terra de curiosos...
O Sr. Guimarães tossiu, chegou a cadeira mais para a mesa. Tinha estado, contou ele, havia semanas fora de Lisboa por negócios da herança de seu irmão. Não vira o sobrinho, porque só por necessidade se encontrava com esse imbecil. Na véspera, em casa de um antigo amigo, o Vaz Forte, deitara por acaso os olhos ao Futuro, um jornal republicano, bem escrito, mas frouxo de ideias. E avistara logo na primeira página, em tipo enorme, sob esta rubrica aliás justa Coisas do highlife, a carta do sobrinho... Imagine o Sr. Ega o seu furor! Ali mesmo, em casa do Forte, escrevera ao Dâmaso pouco mais ou menos nestes termos: «Li a tua infame declaração. Se amanhã não fazes outra, em todos os jornais, dizendo que não tinhas intenção de me incluir entre os bêbedos da tua família, vou aí e quebro-te os ossos um por um. Treme!» Assim lhe escrevera. E sabia o Sr. João da Ega qual fora a resposta do Sr. Dâmaso?
- Tenho-a aqui, é um documento humano, como diz o amigo Zola! Aqui está... Grande papel, monograma de ouro, coroa de conde. Aquele asno! Quer V. Ex.ª que eu leia?
A um gesto risonho do Ega, ele mesmo leu, lentamente, e sublinhando:
- «Meu caro tio! A carta de que fala foi escrita pelo Sr. João da Ega. Eu era incapaz de tal desacato à nossa querida família. Foi ele que me agarrou na mão, à força, para eu assinar: e eu, naquela atrapalhação, sem saber o que fazia, assinei para evitar falatórios.
Foi um laço que me armaram os meus inimigos. O meu querido tio, que sabe como eu gosto de si, que até estava o ano passado com tenção, se soubesse a sua morada em Paris, de lhe mandar meia pipa de vinho de Colares, não fique pois zangado comigo. Bem infeliz já eu sou! E se quiser procure esse João da Ega que me perdeu!