Os Maias - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 54 / 630

É saber factos, noções, coisas úteis, coisas praticas...

Mas suspendeu-se: e, com o olho brilhante, num sinal ao Vilaça, mostrou-lhe o neto que palrava inglês com o Brown. Eram decerto feitos de força, uma história de briga com rapazes que ele lhe estava a contar, animado e jogando com os punhos. O perceptor aprovava, retorcendo os bigodes. E à mesa os senhores com os garfos suspensos, por traz os escudeiros de pé e guardanapo no braço, todos, num silêncio reverente, admiravam o menino a falar inglês.

- Grande prenda, grande prenda, murmurou Vilaça, inclinando-se para a Viscondessa.

A excelente senhora corou, através de um sorriso. Parecia assim mais gorda, toda acaçapada na cadeira, silenciosa, comendo sempre; e, a cada gole de Bucelas, refrescava-se languidamente com o seu grande leque negro e lentejoulado.

Quando o Teixeira serviu o vinho do Porto, Afonso fez uma saúde ao Vilaça. Todos os copos se ergueram num rumor de amizade. Carlos quis gritar Hurra! O avô, com um gesto repreensivo, imobilizou-o; e na pausa satisfeita que se fez, o pequeno disse com uma grande convicção:

- Oh avô, eu gosto do Vilaça. O Vilaça é nosso amigo.

- Muito, e há muitos anos, meu senhor! exclamou o velho procurador, tão comovido que mal podia erguer o cálice na mão.

O jantar findava. Fora, o sol deixara o terraço e a quinta verdejava na grande doçura do ar tranquilo, sob o azul ferrete. Na chaminé só restava uma cinza branca: os lilases das jarras exalavam um aroma vivo, a que se misturava o do creme queimado, tocado de um fio de limão: os criados, de coletes brancos, moviam o serviço de onde se escapava algum som argentino: e toda a alva toalha adamascada desaparecia sob a confusão da sobremesa onde os tons dourados do vinho do Porto brilhavam entre as compoteiras de cristal. A Viscondessa afogueada abanava-se. Padre Custodio enrolava devagar o guardanapo, a sua batina coçada luzia nas pregas das mangas.

Então Afonso, sorrindo ternamente, fez a última saúde.

- Viva v. s.ª, Sr. Carlos de Mata-sete!





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