Depois, fechada a porta no ferrolho, foi a mesma exclamação ansiosa:
- Então que é?
- É um horror, Vilaça, um grande horror... Nem eu sei por onde hei de começar.
Vilaça, já muito pálido, pousou lentamente o guarda-chuva sobre a mesa.
- É duelo?
- Não... É isto... Você sabia que o Carlos tinha relações com uma Sr. Mac-Gren que veio o inverno passado a Portugal, ficou aí?...
Uma senhora brasileira, mulher de um brasileiro, que passara o verão nos Olivais?... Sim, Vilaça sabia. falara até nisso com o Eusebiozinho.
- Ah, com o Eusébio?... Pois não é brasileira! É portuguesa, e irmã dele!
Vilaça caiu para o canapé, batendo as mãos num assombro.
- Irmã do Eusébio!
- Qual do Eusébio, homem!... Irmã de Carlos!
Vilaça ficara mudo, sem compreender, com os olhos terrivelmente arregalados para o outro, que se movia pelo cubículo, repetindo: «irmã! Irmã legítima!» Ega por fim sentou-se no canapé de palhinha; e baixo, muito baixo, apesar da solidão do escritório, contou o seu encontro com o Guimarães no sarau, e como a verdade terrível estalara casualmente, numa palavra, à esquina do Aliança... Mas quando falou dos papeis, entregues pela Monforte ao Guimarães, há tantos anos guardados, nunca reclamados, e que o democrata agora, tão de repente, tão urgentemente, queria restituir à família - Vilaça, até aí esmagado e como emparvecido, despertou, teve uma explosão:
- Aí há marosca! Tudo isso é para apanhar dinheiro!...
- Apanhar dinheiro! Quem?
- Quem? exclamou Vilaça de pé, arrebatadamente. Essa senhora, esse Guimarães, essa tropa!... É que o amigo não percebe! Se aparecer uma irmã do Maia, legítima e autêntica, são quatrocentos contos e pico que cabem à irmã do Maia!...
Então os dois ficaram-se devorando com os olhos, na forte impressão daquela ideia inesperada que a seu pesar abalava o Ega. Mas como o procurador, trémulo, voltava à grande soma de quatrocentos contos, lembrava a Companhia do Olho Vivo, Ega terminou por encolher os ombros:
- Isso não tem verosimilhança nenhuma!