Os Maias - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 554 / 630

Daí a anos Carlos estaria consolado, sereno como se nunca tivesse sofrido - e livre, e rico, com o largo mundo diante de si!

O relógio do café deu dez horas. «Bem, vamos a isto», pensou Ega.

De novo a tipoia bateu para a rua da Prata. O Sr. Vilaça ainda não viera, o escrevente estava realmente pensando que o Sr. Vilaça fora ao Alfeite. E diante desta incerteza, de repente, Ega ficou de novo descorçoado, sem coragem. Despediu a tipoia: com o embrulho do cofre na mão foi andando pela rua do Ouro, depois até ao Rocio, parando distraidamente diante de um ourives, lendo aqui e além a capa de um livro na vitrine dos livreiros. Pouco a pouco o negrume da véspera, um momento adelgaçado, recaía-lhe na alma mais denso. Já não via as «libertações» nem as «compensações». Só sentia em torno de si, como flutuando no ar, aquele horror - Carlos a dormir com a irmã.

Voltou pela rua da Prata, de novo subiu a suja escadaria de pedra; e logo no patamar, diante da porta de baeta verde, deu com o Vilaça que saía, atarefado, calçando as luvas.

- Homem, até que enfim!

- Ah! Era o amigo que me tinha procurado?... Pois tenha paciência, que está o visconde do Torral à minha espera...

Ega quase o empurrou. Qual visconde!... Tratava-se de uma coisa muito urgente, muito séria! Mas o outro não se arredava da porta, acabando de calçar a luva, com o mesmo ar vivo de negocio e de pressa.

- O amigo bem vê... Está o homem à espera! É um rendez-vous para as onze!

Ega, já furioso, agarrou-lhe a manga, murmurou-lhe junto à face, tragicamente, que se tratava de Carlos, de um caso de vida ou de morte! Então o Vilaça, num grande espanto, atravessou bruscamente o escritório, fez entrar Ega num cubículo ao lado, estreito como um corredor, com um canapé de palhinha, uma mesa onde os livros tinham pó, e um armário ao fundo. Fechou a porta, atirou o chapéu para a nuca:

- Então que é?

Ega, com um gesto, indicou fora o escrevente que podia escutar. O procurador abriu a porta, gritou ao rapazola que voasse ao Hotel Pelicano pedir ao Sr. visconde do Torral a fineza de esperar meia hora...





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