Os Maias - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 56 / 630

- E parece-me imprudente, sobre o jantar...

- Qual! é só balouçar-se... Olhe para aquilo!

Mas Vilaça não se moveu, com a face sobre a chávena.

O abade, esse, admirava, de lábios entreabertos, e o pires cheio de café esquecido na mão.

- Olhe para aquilo Vilaça, repetiu Afonso. Não lhe faz mal, homem!

O bom Vilaça voltou-se, com esforço. O pequeno muito alto no ar, com as pernas retesadas contra a barra do trapézio, as mãos às cordas, descia sobre o terraço, cavando o espaço largamente, com os cabelos ao vento; depois elevava-se, serenamente, crescendo em pleno sol; todo ele sorria; a sua blusa, os calções enfunavam-se à aragem; e via-se passar, fugir, o brilho dos seus olhos muito negros e muito abertos.

- Não está mais na minha mão, não gosto, disse o Vilaça. Acho imprudente!

Então Afonso bateu as palmas, o abade gritou bravo, bravo. Vilaça voltou-se para aplaudir, mas Carlos tinha já desaparecido; o trapézio parava, em oscilações lentas; e o Brown, retomando o Times que pusera ao lado sobre o pedestal de um busto, foi descendo para a quinta envolvido numa nuvem de fumo do cachimbo.

- Bela coisa, a ginástica! exclamou Afonso da Maia, acendendo com satisfação outro charuto.

Vilaça já ouvira que enfraquecia muito o peito. E o abade, depois de dar um sorvo ao café, de lamber os beiços, soltou a sua bela frase, arranjada em máxima:

- Esta educação faz atletas mas não faz cristãos. Já o tenho dito..

- Já o tem dito abade, já! exclamou Afonso alegremente. Diz-mo todas as semanas... Quer você saber, Vilaça? O nosso Custodio mata-me o bicho do ouvido para que eu ensine a cartilha ao rapaz. A cartilha!...

Custódio ficou um momento a olhar Afonso, com uma face desconsolada e a caixa de rapé aberta na mão; a irreligião daquele velho fidalgo, senhor de quase toda a freguesia, era uma das suas dores:

- A cartilha, sim meu senhor, ainda que v. Ex.ª o diga assim com esse modo escarnica... A cartilha. Mas já não quero falar na cartilha... Há outras coisas. E se o digo tantas vezes, Sr. Afonso da Maia, é pelo amor que tenho ao menino.





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