- Pois quem, então? Querias que fosse o Vilaça?...
Ega franzia a testa:
- O que tu devias fazer era meter-te esta noite no comboio, e partir para Santa Olávia. De lá contavas-lhe tudo. Estavas assim mais seguro.
Carlos atirou-se para uma poltrona, com um grande suspiro de fadiga:
- Sim, talvez, amanhã, no comboio da noite... Já pensei nisso, era o melhor... Agora o que estou é muito cansado!
- Também eu, disse o Ega espreguiçando-se. E já não adiantamos nada, atolamo-nos mais na confusão. O melhor é serenar... Eu vou-me estirar um bocado na cama.
- Até logo!
Ega subiu ao quarto, deitou-se por cima da roupa; e no seu imenso cansaço bem depressa adormeceu. Acordou tarde a um rumor da porta. Era Carlos que entrava, raspando um fosforo. Anoitecera, em baixo tocava a campainha para o jantar.
- Demais a mais esta maçada do jantar! dizia Carlos acendendo as velas no toucador. Não termos um pretexto para irmos fora, a uma taverna, conversar em sossego! Ainda por cima convidei ontem o Steinbroken.
Depois voltando-se:
- Ó Ega, tu achas que o avô sabe tudo?
O outro saltara da cama, e diante do lavatório arregaçava as mangas:
- Eu te digo... Parece-me que teu avô desconfia... O caso fez-lhe a impressão de uma catástrofe... E, se não suspeitasse o que há, devia-lhe causar simplesmente a surpresa de quem descobre uma neta perdida.
Carlos teve um lento suspiro. Daí a um instante desciam para o jantar.
Em baixo encontraram, além de Steinbroken e D. Diogo - o Craft, que viera «pedir as sopas». E em torno àquela mesa, sempre alegre, coberta de flores e de luzes, uma melancolia flutuava nessa tarde através de uma conversa dormente sobre doenças, - o Sequeira que tinha reumatismo, o pobre marquês piorara.
De resto Afonso, no escritório, queixara-se de uma forte dor de cabeça, que justificava o seu ar consumido e pálido. Carlos, a quem Steinbroken achara «má cara», explicou também que passara uma noite abominável. Então Ega, para desanuviar o jantar, pediu ao amigo Steinbroken as suas impressões sobre o grande orador do sarau da Trindade, o Rufino.