O diplomata hesitou. Surpreendera-o bastante saber que o Rufino era um político, um parlamentar... Aqueles gestos, o bocado da camisa a ver-se-lhe no estomago, a pera, a grenha, as botas, não lhe pareciam realmente de um Homem de Estado:
- Mais cependant, cependant... Dans ce genre à, dans le genre sublime, dans le genre de Demosthènes, il m'a paru très fort... Oh, il m'a paru excessivement fort!
- E você, Craft?
Craft, no sarau, só gostara do Alencar. Ega encolheu violentamente os ombros. Ora histórias! Nada podia haver mais cómico que a democracia romântica do Alencar, aquela Republica meiga e loura, vestida de branco como Ofélia, orando no prado, sob o olhar de Deus... Mas Craft justamente achava tudo isso excelente por ser sincero. O que feria sempre nas exibições da literatura portuguesa? A escandalosa falta de sinceridade Ninguém, em verso ou prosa, parecia jamais acreditar naquilo que declamava com ardor, esmurrando o peito. E assim fora na véspera. Nem o Rufino parecia acreditar na influência da religião; nem o homem da barba bicuda no heroísmo dos Castros e dos Albuquerques; nem mesmo o poeta dos olhinhos bonitos na bonitice dos olhinhos... Tudo contrafeito e postiço! Com o Alencar, que diferença! Esse tinha uma fé real no que cantava, na Fraternidade dos povos, no Cristo republicano, na Democracia devota e coroada de estrelas...
- Já deve ser bem velho esse Alencar, observou D. Diogo que rolava bolinhas de pão entre os longos dedos pálidos.
Carlos, ao lado, emergiu enfim do seu silêncio:
- O Alencar deve ter bons cinquenta anos.
Ega jurou pelo menos sessenta. Já em 1836 o Alencar publicava coisas delirantes, e chamava pela morte, no remorso de tantas virgens que seduzira...
- há que anos, com efeito, murmurou lentamente Afonso, eu ouvi falar desse homem!
D. Diogo, que levara os lábios ao copo, voltou-se para Carlos:
- O Alencar tem a idade que havia de ter teu pai... Eram íntimos, dessa roda distingue de então.