Os Maias - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 574 / 630

E esse meio justamente só era praticável indo ele, com toda a frieza, com todo o animo, à rua de S. Francisco.

Por isso ia - e ao longo do Aterro retardando os passos, resumia, retocava esse plano, ensaiando mesmo consigo, baixo, palavras que lhe diria. Entraria na sala, com um grande ar de pressa - e contava-lhe que um negocio de casa, uma complicação de feitores o obrigava a partir para Santa Olávia daí a dias. E imediatamente saía, com o pretexto de correr a casa do procurador. Podia mesmo ajuntar - «é um momento, não tardo, até já.» Uma coisa o inquietava. Se ela lhe desse um beijo?... Decidia então exagerar a sua pressa, conservando o charuto na boca, sem mesmo pousar o chapéu... E saía. Não voltava. Pobre dela, coitada, que ia esperar até tarde, escutando cada rumor de carruagem na rua!... Na noite seguinte abalava para Santa Olávia com o Ega, deixando-lhe a ela uma carta a anunciar que infelizmente, por causa de um telegrama, se viria forçado a partir nesse comboio. Podia mesmo ajuntar - «volto daqui a dois ou três dias...» E aí estava longe dela para sempre. De Santa Olávia escrevia-lhe logo, de um modo incerto e confuso, falando de documentos de família, inesperadamente descobertos, provocando entre eles um parentesco chegado. Tudo isto atrapalhado, curto, «á pressa». Por fim noutra carta deixava escapar toda a verdade, mandava-lhe a declaração da mãe; e mostrando a necessidade de uma separação, enquanto se não esclarecessem todas as duvidas, pedia-lhe que partisse para Paris. Vilaça ficava encarregado da questão de dinheiro, entregando-lhe logo para a viagem trezentas ou quatrocentas libras... Ah! Tudo isto era bem complicado, bem covarde! Mas só havia esse meio. E quem, senão ele, o podia tentar com caridade e com tacto?

E, entre o tumulto destes pensamentos, de repente achou-se na travessa da Parreirinha, defronte da casa de Maria. Na sala, através das cortinas, transparecia uma luz dormente. Todo o resto estava apagado - a janela do gabinete estreito onde ela se vestia, a varanda do quarto dela com os vasos de crisântemos.





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