Os Maias - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 573 / 630

A noite clareara, com o crescente de lua entre farrapos de nuvens brancas, que fugiam sobre um norte fino.

Fora nessa tarde, só no seu quarto, que Carlos decidira ir falar a Maria Eduarda - por um motivo supremo de dignidade e de razão, que ele descobrira e que repetia a si mesmo incessantemente para se justificar. Nem ela nem ele eram duas crianças frouxas, necessitando que a crise mais temerosa da sua vida lhes fosse resolvida e arranjada pelo Ega ou pelo Vilaça: mas duas pessoas fortes, com o animo bastante resoluto, e o juízo bastante seguro, para eles mesmos acharem o caminho da dignidade e da razão naquela catástrofe que lhes desmantelava a existência. Por isso ele, só ele devia ir à rua de S. Francisco.

Decerto era terrível tornar a vê-la naquela sala, quente ainda do seu amor, agora que a sabia sua irmã... Mas porque não? Havia acaso ali dois devotos, possuídos da preocupação do demónio, espavoridos pelo pecado em que se tinham atolado ainda que inconscientemente, ansiosos por irem esconder no fundo de mosteiros distantes o horror carnal um do outro? Não! Necessitavam eles acaso pôr imediatamente entre si as compridas léguas que vão de Lisboa a Santa Olávia, com receio de cair na antiga fragilidade, se de novo os seus olhos se encontrassem com a antiga chama? Não! Ambos tinham em si bastante força para enterrar o coração sobre a razão, como sob uma fria e dura pedra, tão completamente que não lhe sentissem mais nem a revolta nem o choro. E ele podia desafogadamente voltar àquela sala, toda quente ainda do seu amor...

De resto, que precisavam apelar para a razão, para a sua coragem de fortes?... Ele não ia revelar bruscamente toda a verdade a Maria Eduarda, dizer-lhe um «adeus!» patético, um adeus de teatro, afrontar uma crise de paixão e dor. Pelo contrário! Toda essa tarde, através do seu próprio tormento, procurara ansiosamente um meio de adoçar e graduar àquela pobre criatura o horror da revelação que lhe devia. E achara um por fim, bem complicado, bem cobarde! Mas que! Era o único, o único que por uma preparação lenta, caridosa, lhe pouparia uma dor fulminante e brutal.





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