Os Maias - Cap. 18: Capítulo 18 Pág. 609 / 630

- E Lisboa arrasa! acudiu Ega. Já cá tive essa frase. Vá, abanca, aí tens o cafezinho e a bebida!

Mas Carlos agora também contemplava o Alencar. E parecia-lhe mais bonito, mais poético, com a sua grenha inspirada e toda branca, e aquelas rugas fundas na face morena, cavadas como sulcos de carros pela tumultuosa passagem das emoções...

- Estás típico, Alencar! Estás a preceito para a gravura e para a estátua!...

O poeta sorria, passando os dedos com complacência pelos longos bigodes românticos, que a idade embranquecera e o cigarro amarelara. Que diabo, algumas compensações havia de ter a velhice!... Em todo o caso o estômago não era mau, e conservava-se, caramba, filhos, um bocado de coração.

- O que não impede, meu Carlos, que isto por cá esteja cada vez pior! Mas acabou-se... A gente queixa-se sempre do seu país, é hábito humano. Já Horácio se queixava. E vocês, inteligências superiores, sabeis bem, filhos, que no tempo de Augusto... Sem falar, é claro, na queda da republica, naquele desabamento das velhas instituições... Enfim deixemos lá os Romanos! Que está ali naquela garrafa? Chablis... Não desgosto, no outono, com as ostras. Pois vá lá o Chablis. E à tua chegada, meu Carlos! e à tua, meu João, e que Deus vos dê as glórias que mereceis, meus rapazes!...

Bebeu. Rosnou: «bom Chablis, bouquet fino». E acabou por abancar, ruidosamente, sacudindo para traz a juba branca.»

- Este Thomaz! exclamava Ega, pousando-lhe a mão no ombro com carinho. Não há outro, é único! O bom Deus fê-lo num dia de grande verve, e depois quebrou a forma.

Ora, histórias! murmurava o poeta radiante. Havia-os tão bons como ele. A humanidade viera toda do mesmo barro como pretendia a Bíblia - ou do mesmo macaco como afirmava o Darwin...

- Que, lá essas coisas de evolução, origem das espécies, desenvolvimento da célula, cá para mim... Está claro, o Darwin, o Lamarck, o Spencer, o Cláudio Bernard, o Litré, tudo isso, é gente de primeira ordem. Mas acabou-se, irra! há uns poucos de mil anos que o homem prova sublimemente que tem alma!





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