Os Maias - Cap. 18: Capítulo 18 Pág. 610 / 630

- Toma o cafezinho, Thomaz! aconselhou o Ega, empurrando-lhe a chávena. Toma o cafezinho!

- Obrigado!... E é verdade, João, lá dei a tua boneca à pequena. Começou logo a beijá-la, a embalá-la, com aquele profundo instinto de mãe, aquele quid divino... É uma sobrinhita minha, meu Carlos. Ficou sem mãe, coitadinha, lá a tenho, lá vou tratando de fazer dela uma mulher... hás de vê-la. Quero que vocês lá vão jantar um dia, para vos dar umas perdizes à espanhola... Tu demoras-te, Carlos?

- Sim, uma ou duas semanas, para tomar um bom sorvo de ar da pátria.

- Tens razão, meu rapaz! exclamou o poeta, puxando a garrafa do cognac. Isto ainda não é tão mau como se diz... Olha tu para isso, para esse céu, para esse rio, homem!

- Com efeito é encantador!

Todos três, durante um momento, pasmaram para a incomparável beleza do rio, vasto, lustroso, sereno, tão azul como o céu, esplendidamente coberto de sol.

- E versos? exclamou de repente Carlos, voltando-se para o poeta. Abandonaste a língua divina?

Alencar fez um gesto de desalento. Quem entendia já a língua divina? O novo Portugal só compreendia a língua da libra, da «massa». Agora, filho, tudo eram sindicatos!

- Mas ainda às vezes me passa uma coisa cá por dentro, o velho homem estremece... Tu não viste nos jornais?... Está claro, não lês cá esses trapos que por aí chamam gazetas... Pois veio aí uma coisita, dedicada aqui ao João. Ora eu t'a digo se me lembrar...

Correu a mão aberta pela face escaveirada, lançou à estrofe num tom de lamento:

Luz d'esperança, luz d'amor,

Que vento vos desfolhou?

Que a alma que vos seguia

Nunca mais vos encontrou!

Carlos murmurou: «Lindo!» Ega murmurou: «Muito fino!» E o poeta, aquecendo, já comovido, esboçou um movimento d'aza que foge:

Minh'alma em tempos doutrora,

Quando nascia o luar,

Como um rouxinol que acorda

Punha-se logo a cantar.

Pensamentos era flores,

Que a aragem lenta de Maio...





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