Era o consultório, o antigo consultório de Carlos - onde agora, pela tabuleta, parecia existir um pequeno atelier de modista. Então bruscamente os dois amigos recaíram nas recordações do passado. Que estúpidas horas Carlos ali arrastara, com a Revista dos Dois
Mundos, na espera vã dos doentes, cheio ainda de fé nas alegrias do trabalho!... E a manhã em que o Ega lá aparecera com a sua esplêndida peliça, preparando-se para transformar, num só inverno, todo o velho e rotineiro Portugal!
- Em que tudo ficou!
- Em que tudo ficou! Mas rimos bastante!
Lembras-te daquela noite em que o pobre marquês queria levar ao consultório a Paca, para utilizar enfim o divã, móvel de serralho?...
Carlos teve uma exclamação de saudade. Pobre marquês! fora uma das suas fortes impressões, nesses últimos anos – aquela morte do marquês, sabida de repente ao almoço, numa banal noticia de jornal!... E através do Rocio, andando mais devagar, recordavam outros desaparecimentos: a D. Maria da Cunha, coitada, que acabara hidrópica; o D. Diogo, casado por fim com a cozinheira; o bom Sequeira, morto uma noite numa tipóia ao sair dos cavalinhos...
- E outra coisa, perguntou Ega. Tens visto o Craft em Londres ?
- Tenho, disse Carlos. Arranjou uma casa muito bonita ao pé de Richmond... Mas está muito avelhado, queixa-se muito do fígado. E, desgraçadamente, carrega de mais nos álcoois. É uma pena!
Depois perguntou pelo Taveira. Esse lindo moço, contou o Ega, tinha agora por cima mais dez anos de Secretaria e de Chiado. Mas sempre apurado, já um bocado grisalho, metido continuamente com alguma espanhola, dando bastante a lei em S. Carlos, e murmurando todas as tardes na Havaneza, com um ar doce e contente - «isto é um país perdido»! Enfim um bom tiozinho de lisboeta fino.
- E a besta do Steinbroken?
- Ministro em Atenas, exclamou Carlos, entre as ruinas clássicas!
E esta ideia do Steinbroken, na velha Grécia, divertiu-os infinitamente. Ega imaginava já o bom Steinbroken, teso nos seus altos colarinhos, afirmando a respeito de Sócrates, com prudência: «Oh, il est très fort, il est excessivement fort!»