Os Maias - Cap. 18: Capítulo 18 Pág. 627 / 630

Entraram no quarto. Vilaça, na suposição de Carlos vir para o Ramalhete, mandara-o preparar; e todo ele regelava - com o mármore das cómodas espanejado e vazio, uma vela intacta num castiçal solitário, a colcha de fustão vincada de dobras sobre o leito sem cortinados. Carlos pousou o chapéu e a bengala em cima da sua antiga mesa de trabalho. Depois, como dando um resumo:

- E aqui tens tu a vida, meu Ega! Neste quarto, durante noites, sofri a certeza de que tudo no mundo acabara para mim... Pensei em me matar. Pensei em ir para a Trapa. E tudo isto friamente, com uma conclusão lógica. Por fim dez anos passaram, e aqui estou outra vez...

Parou diante do alto espelho suspenso entre as duas colunas de carvalho lavrado, deu um jeito ao bigode, concluiu, sorrindo melancolicamente:

- E mais gordo!

Ega espalhava também pelo quarto um olhar pensativo:

- Lembras-te quando apareci aqui uma noite, numa agonia, vestido de Mefistófeles?

Então Carlos teve um grito. E a Rachel, é verdade! A Rachel? Que era feito da Rachel, esse lírio de Israel?

Ega encolheu os ombros:

- Para aí anda, estuporada...

Carlos murmurou - «coitada! E foi tudo o que disseram sobre a grande paixão romântica do Ega.

Carlos no entanto fora examinar, junto da janela, um quadro que pousava no chão, para ali esquecido e voltado para a parede. Era o retrato do pai, de Pedro da Maia, com as suas luvas de camurça na mão, os grandes olhos árabes na face triste e pálida que o tempo amarelara mais. Colocou-o em cima de uma cómoda. E atirando-lhe uma leve sacudidela com o lenço:

- Não há nada que me faça mais pena do que não ter um retrato do avô!... Em todo o caso este sempre o vou levar para Paris.

Então Ega perguntou, do fundo do sofá onde se enterrara, se, nesses últimos anos, ele não tivera a ideia, o vago desejo de voltar para Portugal...

Carlos considerou Ega com espanto. Para que? Para arrastar os passos tristes desde o Grémio até à Casa Havaneza? Não! Paris era o único lugar da terra congénere com o tipo definitivo em que ele se fixara: - «o homem rico que vive bem».





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