E assim lhe estavam arranjando uma almazinha de bacharel...
Vilaça teve outra risadinha silenciosa. Depois, como subitamente decidido, ergueu-se, fez estalar os dedos, disse estas palavras:
- V. Ex.ª sabe que apareceu a Monforte?
Afonso, sem mover a cabeça, reclinado para as costas da poltrona, perguntou tranquilamente, envolvido no fumo do cachimbo:
- Em Lisboa?
- Não senhor, em Paris. Viu-a lá o Alencar, esse rapaz que escreve, e que era muito de Arroios... Esteve até em casa dela.
E ficaram calados. Havia anos que entre eles se não pronunciara o nome de Maria Monforte. Ao princípio, quando se retirara para Santa Olávia, a preocupação ardente de Afonso da Maia fora tirar-lhe a filha que ela levara. Mas a esse tempo ninguém sabia onde Maria se refugiara com o seu príncipe: nem pela influência das legações, nem pagando regiamente a polícia secreta de Paris, de Londres, de Madrid, se pode descobrir a «toca da fera» como dizia então o Vilaça. Ambos decerto tinham mudado de nome; e, dadas essas naturezas boémias, quem sabe se não errariam agora pela América, pela Índia, em regiões mais exóticas? Depois, pouco a pouco, Afonso da Maia descorçoado com aqueles esforços vãos, todo ocupado do neto que crescia belo e forte ao seu lado, no enternecimento continuo que ele lhe dava foi esquecendo a Monforte e a sua outra neta, tão distante, tão vaga, a quem ignorava as feições, de quem mal sabia o nome. E agora de repente a Monforte aparecia outra vez em Paris! e o seu pobre Pedro estava morto! E aquela criança que dormia ao fundo do corredor nunca vira sua mãe...
Erguera-se, passeava na livraria, pesado e lento, com a cabeça baixa. Junto à mesa, ao pé do candeeiro, o Vilaça ia percorrendo um a um os papéis da sua carteira.
- E está em Paris com o italiano? perguntou Afonso do fundo sombrio do aposento.
O Vilaça ergueu a cabeça de sobre a carteira, e disse:
- Não senhor, está com quem lhe paga.