Os Maias - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 70 / 630

Mas, na véspera da partida do administrador para Lisboa, Afonso subiu ao quarto dele, a entregar-lhe as amêndoas da Páscoa que Carlos mandava a Vilaça Júnior, um alfinete de peito com uma magnífica safira - e disse-lhe em quanto o outro, sensibilizado, balbuciava os agradecimentos:

- Agora outra coisa, Vilaça. Tenho estado a pensar. Vou escrever a meu primo Noronha, ao André que vive em Paris como você sabe, pedir-lhe que procure essa criatura, e que lhe ofereça dez ou quinze contos de réis, se ela me quiser entregar a filha... No caso, está claro, que esteja viva... E quero que você saiba desse Alencar a morada da mulher em Paris.

O Vilaça não respondeu, ocupado a meter entre as camisas, bem no fundo da maleta, a caixinha com o alfinete. Depois, erguendo-se, ficou diante de Afonso, a coçar reflectidamente o queixo.

- Então que lhe parece, Vilaça?

- Parece-me arriscado.

E deu as suas razões. A menina devia ir nos seus treze anos. Estava uma mulher, com o seu temperamento formado, o carácter feito, talvez os seus hábitos... Nem falaria o português. As saudades da mãe haviam de ser terríveis... Enfim, o Sr. Afonso da Maia trazia uma estranha para casa...

- Você tem razão, Vilaça. Mas a mulher é uma prostituta, e a pequena é do meu sangue.

Nesse momento Carlos, cuja voz gritava no corredor pelo vovô, precipitou-se no quarto, esguedelhado, escarlate como uma romã.

- O Brown tinha achado uma corujazinha pequena! Queria que o vovô viesse ver, andara a buscá-lo por toda a casa... Era de morrer a rir... Muito pequena, muito feia, toda pelada, e com dois olhos de gente grande! E sabiam onde havia o ninho...

- Vem depressa, ó vovô! Depressa, que é necessário ir pô-la no ninho, por causa da coruja velha que se pode afligir... O Brown está-lhe a dar azeite. Oh Vilaça vem ver! Ó vovô, pelo amor de Deus! Tem uma cara tão engraçada! Mas depressa, depressa, que a coruja velha pode dar pela falta!...

E impaciente com a lentidão risonha do vovô, tanta indiferença pela inquietação da coruja velha, abalou atirando com a porta.

- Que bom coração! exclamou o Vilaça comovido. A pensar nas saudades da coruja... A mãe dele é que não tem saudades! Sempre o disse, é uma fera!





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