Os Maias - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 71 / 630

Afonso encolheu tristemente os ombros. Iam já no corredor quando ele, parando um momento, baixando a voz:

- Tem-me esquecido de lhe contar, Vilaça, o Carlos sabe que o pai que se matou...

Vilaça arredondou os olhos de espanto. Era verdade. Uma manhã entrara-lhe pela livraria, e dissera-lhe: - ó vovô, o papá matou-se com uma pistola! - Naturalmente algum criado que lho contara...

- E vossa excelência?

- Eu... Que havia de fazer? Disse-lhe que sim. Em tudo tenho obedecido ao que Pedro me pediu, nessas quatro ou cinco linhas da carta que me deixou. quis ser enterrado em Sta. Olávia, aí está. Não queria que o filho jamais soubesse da fuga da mãe; e por mim, decerto, nunca o saberá. quis que dois retratos que havia dela em Arroios fossem destruídos; como você sabe, obtiveram-se e destruíram-se. Mas não me pediu que ocultasse ao rapaz o seu fim. E por isso, disse ao pequeno a verdade: disse-lhe que num momento de loucura, o papá tinha dado um tiro em si...

- E ele?

- E ele, replicou Afonso sorrindo, perguntou-me quem lhe tinha dado a pistola, e torturou-me toda uma manhã para lhe dar também uma pistola... E aí está o resultado dessa revelação: é que tive de mandar vir do Porto uma pistola de vento...

Mas, sentindo Carlos em baixo, aos berros ainda pelo avô, os dois apressaram-se a ir admirar a corujazinha.

Vilaça ao outro dia partiu para Lisboa.

Passadas duas semanas, Afonso recebia uma carta do administrador, trazendo-lhe, com o endereço da Monforte, uma revelação imprevista. Tinha voltado a casa do Alencar; e o poeta, recordando outros incidentes da sua visita a Me. de l'Estorade, contara-lhe que no boudoir dela havia um adorável retrato de criança, de olhos negros, cabelo de azeviche, e uma palidez de nácar. Esta pintura ferira-o, não só por ser de um grande pintor inglês, mas por ter, pendente sob o caixilho como um voto funerário, uma linda coroa de flores de cera brancas e roxas. Não havia outro quadro no boudoir: e ele perguntara à Monforte se era um retrato ou uma fantasia. Ela respondera que era o retrato da filha que lhe morrera em Londres.





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