Os Maias - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 79 / 630

Mas a existência neste meio rico não era agora tão alegre: a viscondessa, cada dia mais nutrida, caía em sonos congestivos logo depois do jantar; o Teixeira primeiro, a Gertrudes depois, tinham morrido, ambos de pleurizes, ambos no entrudo: e já se não via também à mesa a bondosa face do abade, que lá jazia sob uma cruz de pedra, entre os goivos e as rosas de todo o ano. O Dr. juiz de direito com a sua concertina passara para a Relação do Porto; D. Ana Silveira, muito doente, nunca saía; a Terezinha fizera-se uma rapariguinha feia, amarela como uma cidra; o Eusébiozinho, molengão e tristonho, já sem vestígios sequer do seu primeiro amor aos alfarrábios e às letras, ia casar na Regoa. Só o Dr. delegado, esquecido naquela comarca, estava o mesmo, mais calvo talvez, sempre afável, amando sempre a pachorrenta Eugénia. E quase todas as tardes, o velho Trigueiros se apeava da sua égua branca ao portão para vir cavaquear com o colega.

As férias, realmente, só eram divertidas para Carlos quando trazia para a quinta o seu íntimo, o grande João da Ega, a quem Afonso da Maia se afeiçoara muito, por ele e pela sua originalidade, e por ser sobrinho de André da Ega, velho amigo da sua mocidade e, muitas vezes outrora, hospede também em Santa Olávia.

Ega andava-se formando em Direito, mas devagar, muito pausadamente – ora reprovado, ora perdendo o ano. Sua mãe, rica, viúva e beata, retirada numa quinta ao pé de Celorico de Basto com uma filha, beata, viúva e rica também, tinha apenas uma noção vaga do que o Joãozinho fizera, todo esse tempo, em Coimbra. O capelão afirmava-lhe que tudo havia de acabar a contento, e que o menino seria um dia doutor como o papá e como o titi: e esta promessa bastava à boa senhora, que se ocupava sobretudo da sua doença de entranhas e dos confortos desse padre Serafim. Estimava mesmo que o filho estivesse em Coimbra, ou algures, longe da quinta, que ele escandalizava com a sua irreligião e as suas facecias heréticas.





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