Os Maias - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 83 / 630

O grupo escuro em baixo desatou aos vivas. A filarmónica, outros estudantes, invadiram os Paços. Até tarde, sob as árvores do quintal, na sala atulhada de pilhas de pratos, os criados correram com salvas de doce, não cessou de estalar o champagne. E Vilaça, limpando a testa, o pescoço, abafado de calor, ia dizendo a um, a outro, a si mesmo também:

- Grande coisa, ter um curso!

E então Carlos Eduardo partira para a sua longa viagem pela Europa. Um ano passou. Chegara esse outono de 1875: e o avô instalado enfim no Ramalhete esperava por ele ansiosamente. A última carta de Carlos viera de Inglaterra, onde andava, dizia ele, a estudar a admirável organização dos hospitais de crianças. Assim era: mas passeava também por Brighton, apostava nas corridas de Goodwood, fazia um idílio errante pelos lagos da Escócia, com uma senhora holandesa, separada de seu marido, venerável magistrado da Haia, uma Madame Rughel, soberba criatura de cabelos de ouro fulvo, grande e branca como uma ninfa de Rubens.

Depois começaram a chegar, dirigidas ao Ramalhete, caixas sucessivas de livros, outras de instrumentos e aparelhos, toda uma biblioteca e todo um laboratório - que trazia o Vilaça, manhãs inteiras, aturdido pelos armazéns da alfândega.

- O meu rapaz vem com grandes ideias de trabalho, dizia Afonso aos amigos.

Havia catorze meses que ele o não via, o «seu rapaz», a não ser numa fotografia mandada de Milão, em que todos o acharam magro e triste. E o coração batia-lhe forte, na linda manhã de outono, quando do terraço do Ramalhete, de binóculo na mão, viu assomar vagarosamente, por traz do alto prédio fronteiro, um grande paquete do Royal Mail que lhe trazia o seu neto.

Á noite os amigos da casa, o velho Sequeira, D. Diogo Coutinho, o Vilaça - não se fartavam de admirar «o bem que a viagem fizera a Carlos». Que diferença da fotografia! Que forte, que saudável!

Era decerto um formoso e magnifico moço, alto, bem feito, de ombros largos, com uma testa de mármore sob os anéis dos cabelos pretos, e os olhos dos Maias, aqueles irresistíveis olhos do pai, de um negro liquido, ternos como os dele e mais graves.





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