Os Maias - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 93 / 630

No Ramalhete, o avô fazia o seu whist com os velhos parceiros. Ia o D. Diogo, o decrepito leão, sempre de rosa ao peito, e frisando ainda os bigodes... Ia o Sequeira, cada vez mais atarracado, a estoirar de sangue, à espera da sua apoplexia... Ia o conde de Steinbroken...

- Não conheço. Refugiado?... Polaco?...

- Não, ministro da Finlândia... Queria-nos alugar umas cocheiras e complicou esta simples transacção com tantas finuras diplomáticas, tantos documentos, tantas coisas com o selo real da Finlândia, que o pobre Vilaça aturdido, para se desembaraçar, remeteu-o ao avô. O avô, desnorteado também, ofereceu-lhe as cocheiras de graça. Steinbroken considera isto um serviço feito ao rei da Finlândia, à Finlândia, vai visitar o avô, em grande estado, com o secretário da legação, o cônsul, o vice-cônsul...

- Isso é sublime!

- O avô convida-o a jantar... E como o homem é muito fino, um gentleman, entusiasta da Inglaterra, grande entendedor de vinhos, uma autoridade no whist, o avô adopta-o. Não sai do Ramalhete.

- E de rapazes?

De rapazes, aparecia Taveira, sempre muito correcto, empregado agora no Tribunal de Contas: um Cruges, que o Ega não conhecia, um diabo adoidado, maestro, pianista, com uma pontinha de génio; o marquês de Souselas...

- Não há mulheres?

- Não há quem as receba. É um covil de solteirões. A viscondessa, coitada...

- Bem sei. Um apopleté...

- Sim, uma hemorragia cerebral. Ah, temos também o Silveirinha, chegou-nos ultimamente o Silveirinha...

- O de Resende, o cretino?

- O cretino. Enviuvou, vem da Madeira, ainda um bocado tísico, todo carregado de luto... Um fúnebre.

O Ega, repoltreado, com aquele ar de tranquila e solida felicidade que Carlos já notara, disse puxando lentamente os punhos:

- É necessário reorganizar essa vida. Precisamos arranjar um cenáculo, uma boémiazinha dourada, umas soirées de inverno, com arte, com literatura... Tu conheces o Craft?

- Sim, creio que tenho ouvido falar...





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