- Está muito melhor!
Era a primeira doente grave de Carlos, uma rapariga de origem alsaciana, casada com o Marcelino padeiro, muito conhecida no bairro pelos seus belos cabelos, loiros, e penteados sempre em tranças soltas. Tinha estado à morte com uma pneumonia; e apesar de melhor, como a padaria ficava defronte, Carlos ainda às vezes à noite atravessava a rua para a ir ver, tranquilizar o Marcelino, que, defronte do leito e de gabão pelos ombros, sufocava soluços de amante, escrevinhando no livro de contas.
Afonso interessara-se ansiosamente por aquela pneumonia; e agora estava realmente agradecido à Marcelina por ter sido salva por Carlos. Falava dela comovido; gabava-lhe a linda figura, o asseio alsaciano, a prosperidade que trouxera à padaria... Para a convalescença, que se aproximava, já lhe mandara até seis garrafas de Chateau-Margaux.
- Então fora de perigo, inteiramente fora de perigo? - perguntou Vilaça, com os dedos na caixa do rapé, sublinhando muito a sua solicitude.
- Sim, quase rija - disse Carlos, que se aproximara da chaminé, esfregando as mãos, arrepiado.
É que a noite, fora, estava regelada! Desde o anoitecer geava, de um céu fino e duro, transbordando de estrelas que rebrilhavam como pontas afiadas d'aço; e nenhum daqueles cavalheiros, desde que se entendia, conhecera jamais o termómetro tão baixo. Sim, Vilaça lembrava-se de um janeiro pior no inverno de 64...
- É necessário carregar no punch, hein, general! - exclamou Carlos, batendo galhofeiramente nos ombros maciços do Sequeira.
- Não me oponho, rosnou o outro, que fixava com concentração e rancor um valete de copas sobre a mesa.
Carlos, ainda com frio, remexeu, esfuracou os carvões: uma chuva d'ouro caiu por baixo, uma chama mais forte ressaltou, rugiu, alegrando tudo, avermelhando em redor as peles de urso onde o Reverendo Bonifácio, espapado, torrava ao calor, ronronava de gozo.
- O Ega deve estar radiante, dizia Carlos com os pés à chama. Tem, enfim, justificada a peliça.