O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 115 / 183

A volta que a chave deu dentro da fechadura fez K. recordar-se de que não tencionava demorar-se. Desta forma, puxou da carta que o industrial lhe havia dado e que metera na algibeira e entregou-a ao pintor, dizendo: «Ouvi falar de si a este senhor, que é um conhecido seu, tendo eu vindo aqui por sua sugestão.» O pintor leu rapidamente a carta e atirou-se para cima da cama. Se o industrial não tivesse dado tão claramente a entender que Titorelli era um pobre homem seu conhecido que dependia da sua caridade, qualquer pessoa pensaria que Titorelli não conhecia efectivamente o industrial ou que, pelo menos, não se lembrava dele. A seguir perguntou: «Veio aqui para comprar quadros ou para eu lhe pintar o retrato?» K fitou-o surpreendido. O que diria a carta? Ele tinha natura mente pensado que o industrial diria a Titorelli que ele não ia ali por qualquer razão que não fosse inquirir algo acerca do seu processo. Tinha sido demasiadamente precipitado e descuidado ao apressar-se a procurar este homem. Contudo, como tinha de dar uma resposta, perguntou, olhando para o cavalete: «O senhor está a trabalhar agora em algum retrato?» «Sim, estou», respondeu Titorelli, tirando a camisa para destapar o cavalete e atirando-a para cima da cama, para junto da carta. «É um retrato. Um belo trabalho que ainda não está completamente acabado.» K. estava aparentemente com sorte: a oportunidade de falar do tribunal acabava de se lhe apresentar, pois este era obviamente o retrato de um juiz. Mais ainda, lembrava extraordinariamente o retrato que estava pendurado no escritório do advogado. Na verdade, era um juiz completamente diferente, era um homem forte com uma espessa barba preta que chegava bem até às bochechas, de ambos os lados; além disso, o outro retrato era pintado a óleo, enquanto este era uma pintura a pastel, de contornos leves e pouco nítidos. No entanto, o resto assemelhava-se bastante, visto que também neste retrato o juiz parecia estar a levantar-se ameaçadoramente da sua cadeira de espaldar, apertando com firmeza os braços desta. «Deve ser um juiz», ia K. a dizer imediatamente, mas deteve-se por momentos e aproximou-se do retrato, como se desejasse estudar os pormenores. Não conseguia identificar aquela grande figura que surgiu a meio do quadro, mesmo por trás do espaldar da cadeira, e perguntou ao pintor quem é que ela representava. O pintor respondeu que a figura ainda precisava de uns retoques, indo buscar à mesa um lápis com o qual começou a trabalhar um pouco no contorno, mas sem tornar a figura mais reconhecível para K. «Representa a Justiça», disse, por fim, o pintor.





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