Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 7: Capítulo 7

Página 116

«Agora consigo identificá-la", respondeu K. «Lá está a venda sobre os olhos e aqui está a balança. Mas a figura não tem asas nos pés e não vai a voar?» «Sim», respondeu o pintor; «as instruções que recebi foram que a pintasse assim; efectivamente, representa simultaneamente a Justiça e a Vitória.» «Não é, seguramente, a melhor das combinações», continuou K, sorrindo. «A Justiça deve conservar-se quieta, pois, de outra forma, a balança oscilará e não será possível uma sentença justa.» «Tive de seguir à risca as ordens do meu cliente», volveu o pintor. «Sem dúvida que sim», comentou K., que não queria, com a sua observação, causar qualquer melindre. «O senhor pintou a figura exactamente como ela realmente se apresenta por cima da cadeira.» «Não», disse o pintor. «Nem vi a figura nem vi a cadeira, são apenas pura invenção, mas se me dizem o que devo pintar, eu pinto.» «Como diz?», inquiriu K. deliberadamente, fingindo não ter percebido. «Com certeza que é um juiz sentado na sua cadeira?» «Sim», continuou o pintor, «mas não é de maneira nenhuma um juiz muito qualificado e nunca em toda a sua vida se sentou numa cadeira dessas.» «E, todavia, é retratado assim numa posição tão solene? É que ele senta-se ali como se fosse o verdadeiro presidente do tribunal.» «Sim, é que eles são muito presunçosos, estes senhores», comentou o pintor. «No entanto, os seus superiores ainda lhes dão autorização para se deixarem retratar dessa maneira. Cada um deles recebe instruções sobre como deve mandar executar o seu retrato. Simplesmente, não se pode ajuizar dos pormenores do fato e do assento ao ver esse retrato, pois, infelizmente, o pastel não é adequado a este tipo de coisa.» «Na verdade», retorquiu K., «é curioso o senhor ter utilizado o pastel.» «O meu cliente assim o quis», respondeu o pintor, «ele deseja oferecer o retrato a uma senhora.» O aspecto do quadro pareceu fazer nascer nele um súbito ardor, de modo que enrolou as mangas da camisa, pegou em vários pastéis e, enquanto K. observava as delicadas tonalidades, um sombreado vermelho começou a crescer em redor da cabeça do juiz, um sombreado que se afilava em longos raios à medida que se aproximava dos bordos do quadro.

A pouco e pouco, este jogo de sombras ia rodeando a cabeça como uma auréola ou uma condecoração. A figura da Justiça, no entanto, mantinha-se brilhante, excepto no que respeita a um toque quase imperceptível da sombra; aquele brilho punha-a em destaque, deixando de parecer a deusa da Justiça ou mesmo a deusa da Vitória e lembrando, em contrapartida, a deusa da Caça em plena acção.

<< Página Anterior

pág. 116 (Capítulo 7)

Página Seguinte >>

Capa do livro O Processo
Páginas: 183
Página atual: 116

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 25
Capítulo 3 39
Capítulo 4 59
Capítulo 5 65
Capítulo 6 71
Capítulo 7 88
Capítulo 8 132
Capítulo 9 158
Capítulo 10 179