O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 118 / 183

Já começara a sentir o ambiente sufocante e até tinha várias vezes olhado surpreendido para um pequeno calorífero a um canto, mas que não pare&a sequer estar a funcionar; o calor sufocante dentro do quarto era inexplicável. K. despiu o sobretudo, desabotoando também o casaco, e o pintor disse, apologeticamente: «Tenho de me sentir quente. Este quarto é muito aconchegado, não é? Sinto-me muito bem neste ambiente.» K. nada disse a este respeito, pois não era exactamente o calor que o fazia sentir desconfortável, mas a atmosfera abafada e sufocante; o quarto não era certamente arejado há muito tempo. O seu desconforto aumentou quando o pintor lhe pediu que se sentasse na cama, enquanto ele próprio se sentava na única cadeira que havia no quarto, que ficava ao pé do cavalete. Titorelli também parecia não compreender as razões que levavam K a sentar-se na borda da cama e instava com ele para que se sentasse confortavelmente, empurrando-o até ao meio das roupas da cama e almofadas. Em segunda, regressou à cadeira e fez a sua primeira pergunta síria, que levou K. a esquecer tudo. «O senhor está inocente?», perguntou ele. «Sim», respondeu K. Responder a esta pergunta deu-lhe uma sensação de prazer, especialmente porque se dirigia a um particular e, por isso mesmo, não tinha de recear as consequência. Ninguém lhe tinha ainda feito uma pergunta tão franca. Para gozar até ao fim a sua satisfação, acrescentou: «Estou completamente inocente.» «Compreendo», volveu o pintor, inclinando a cabeça como se estivesse a pensar. De repente, ergueu-a de novo e disse: «Se o senhor está inocente, o assunto é muito simples.» Os olhos de K. escureceram — este homem. que se diz ser da confiança do tribunal, fala como uma criança ignorante. «A minha inocência não torna o caso de maneira nenhuma mais simples», afirmou K. Contudo, no meio de tudo isto, não pôde deixar de sorrir e em seguida abanou a cabeça lentamente. «Tenho de lutar contra um número infindo de astúcias em que o tribunal se empenha. E, por fim, do nada, do absolutamente nada, se fabrica uma enorme culpa.» «Sim, sim, é verdade», respondeu o pintor, como se K. estivesse desnecessariamente a interromper o curso das suas ideias. «No entanto, o senhor está de qualquer forma inocente?» «Com certeza que estou», volveu K. «Isso é o mais importante», continuou o pintor.





Os capítulos deste livro