O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 119 / 183

Ele não se deixava comover com argumentos, mas, apesar do seu carácter decisivo, não se percebia bem se falara por convicção ou por mera indiferença. K. queria primeiro certificar-se disto e, por isso, disse: «O senhor conhece o tribunal muito melhor do que eu, tenho a certeza, e a respeito dele não conheço mais do que aquilo que ouvi contar às pessoas das mais diversas condições. Contudo, todas elas concordam numa coisa: é que as acusações nunca são feitas frivolamente e o tribunal, uma vez feita uma acusação contra alguém, convence-se em absoluto da culpa do acusado, sendo só à custa de muitas dificuldades que se consegue persuadi-lo do contrário.» «De muitas dificuldades?», gritou o pintor, levantando um dedo no ar. «O tribunal nunca fica persuadido do contrário. Se eu tivesse de pintar todos os juízes numa fila, numa tela, e o senhor tivesse de apresentar o seu caso perante eles, poderia esperar mais sucesso do que perante um verdadeiro tribunal.» «Bem vejo», disse K. para consigo próprio, esquecendo-se de que apenas desejava sondar o pintor.

De novo se ouviu a voz de uma rapariga a chamar por detrás da porta: «Titorelli, ele ainda não se vai embora?» «Calem-se», gritou o pintor por cima do ombro. «Vocês não vêem que estou ocupado com este senhor?» A rapariga, contudo, não se convencendo, perguntou: «Vai pintar o retrato dele?» Como o pintor não respondesse, ela continuou: «Por favor, não pinte um homem assim tão feio.» As outras gritaram em coro numa confusa tagarelice. O pintor deu um pulo até à porta, abriu-a um pouco e disse: «Se vocês não pararem com esse barulho, eu atiro-vos pela escada abaixo. Sentem-se ali nos degraus e fiquem caladas.» Aparentemente, elas não lhe obedeceram imediatamente, pois ele teve de lhes gritar, numa voz de comando: Já para a escada!» Depois disto tudo, ficou sossegado.

«Desculpe-me», pediu o pintor, voltando-se novamente para K. Este mal tinha olhado para a porta, deixando ao pintor a tarefa de o proteger. E mesmo depois mal se mexeu quando o pintor, debruçando-se para ele, lhe segredou ao ouvido de modo que as raparigas lá fora não o pudessem ouvir: «Estas raparigas também pertencem ao tribunal.» «Como?», gritou K., voltando a cabeça para fixar o pintor. Mas Titorelli sentou-se de novo na sua cadeira e explicou, meio a brincar: «Bem vê, tudo pertence ao tribunal.» «Aí está uma coisa em que ainda não tinha reparado», volveu K.





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