O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 120 / 183

A afirmação generalizada do pintor tirou à sua observação acerca das raparigas todo o significado perturbados. No entanto, K. permaneceu por algum tempo a olhar para a porta, atrás da qual as raparigas se conservavam sossegadamente sentadas nos degraus. Uma delas tinha introduzido uma tira de palha numa fenda existente entre as pranchas da porta e movia-a lentamente de um lado para o outro.

«O senhor não parece fazer ainda uma ideia geral do tribunal», disse o pintor, estendendo e afastando as pernas e batendo com os sapatos no chão. «Contudo, como está inocente, não tem necessidade disso. Eu sozinho hei-de livrá-lo de dificuldades.» «Como vai fazer isso?», inquiriu K. «É que há momentos o senhor disse-me que o tribunal não se deixa influenciar por provas.» «Só se deixa influenciar por provas que sejam levadas perante o tribunal», volveu o pintor, levantando um dedo como se K. não se tivesse apercebido daquela subtil diferença. «Mas o problema torna-se completamente diferente se houver alguém a actuar nos bastidores, isto é, nos escritórios dos advogados, nos corredores ou mesmo neste atelier.» O que o pintor acabara de dizer já não parecia tão incrível a K., pois até se coadunava com o que ouvira dizer a outras pessoas. Mais ainda, era, na realidade, muitíssimo prometedor. Se um juiz podia realmente ser tão influenciável pelas suas ligações pessoais, tal como o advogado insistia em afirmar, então as ligações do pintor com estes presunçosos funcionários eram especialmente importantes e não deviam ser subestimadas. Isto tornava o pintor um excelente elemento a ser recrutado para o círculo de colaboradores que K. ia gradualmente reunindo à volta. O seu talento de organizados já em tempos fora altamente elogiado no Banco e agora, que ele tinha de agir de sua inteira responsabilidade, via chegada a oportunidade de o provar à saciedade. Titorelli observou o efeito que as suas palavras tinham produzido em K. e em seguida disse, com uma certa inquietação: «Talvez o surpreenda o facto de eu falar quase como um jurista. Foi devido à minha constante ligação com gente de direito que tais conhecimentos se desenvolveram em mim. Tenho tirado muitas vantagens desse facto, evidentemente, mas, em contrapartida, tenho perdido muito do meu élan corno artista.» «Como é que começaram os seus contactos com os juízes?», perguntou K., que procurava ganhar a confiança do pintor antes de, efectivamente, o incluir na lista dos que o ajudavam. «Foi muito simples», afirmou o pintor. «Herdei os bons ofícios, pois meu pai foi o pintor do tribunal antes de mim. É um lugar hereditário. Os jovens não servem para ele. Há tantas leis complicadas e variadas e, acima de tudo, secretas, estabelecidas relativamente à maneira de pintar os funcionários de acordo com as suas diferentes categorias, que o conhecimento delas está limitado a certas famílias. Ali, naquela gaveta, por exemplo, é onde eu guardo todos os desenhos de meu pai e que nunca mostro a ninguém. Só, pois, um homem que os tenha estudado poderá pintar os juízes. No entanto, mesmo que os perdesse, tenho bastantes regras metidas na cabeça para assegurar o meu lugar no caso de aparecerem concorrentes, pois todos os juízes insistem em ser pintados como os antigos grandes juízes se faziam pintar e ninguém o pode fazer tão bem como eu.»





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