O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 127 / 183

«No entanto, esta segunda absolvição também não é a última», disse K., abanando a cabeça negativamente num jeito de repúdio. «Claro que natos, respondeu o pintor. «A segunda absolvição é seguida da terceira detenção, a terceira absolvição da quarta detenção e assim sucessivamente. Isto está implícito em toda a concepção da absolvição aparente.» K. nada disse. «Não me parece que a absolvição aparente o tente», volveu o pintor. «Talvez o adiamento lhe agrade mais. Quererá que eu lhe explique como ele funciona?» K. acenou afirmativamente com a cabeça. O pintor recostou-se na sua cadeira, introduziu a mão pela camisa entreaberta e começou a acariciar o peito. «Adiamento», disse ele, ficando por momentos com o olhar fixo, como que à procura da explicação exacta, «o adiamento consiste em evitar que o processo siga para além das suas primeiras fases. Para o conseguir, é imprescindível que o acusado ou o seu colaborador, mas especialmente o colaborador, se mantenha em contacto directo e contínuo com o tribunal. Permita-me que mais uma vez chame a atenção para o facto de esta modalidade não exigir um dispêndio de energias tão grande como no caso da absolvição aparente, mas, em contrapartida, requerer uma vigilância muito mais intensa. Não perca de maneira nenhuma o processo de vista, faça ao juiz visitas tão continuas como nos casos de emergência, devendo tentar a todo o custo manter com ele as mais amistosas relações. Se não conhecer muito bem o juiz, deve procurar influenciá-lo através de outros juízes que o senhor conheça, mas sem descurar os seus esforços no sentido de assegurar uma entrevista pessoal com ele. Se cumprir todos estes pontos, poderá ter a certeza de que o processo jamais passará das suas primeiras fases. Não digo que os procedimentos judiciais sejam anulados, mas o réu está quase tão sujeito a livrar-se da sentença como se fosse já um homem livre. Comparando a absolvição aparente com o adiamento, este tem a vantagem de o futuro réu ser menos incerto, de ficar aliviado dos terrores que lhe possa causar uma repentina detenção e não necessita de temer o facto de ter de sofrer — provavelmente no momento mais inconveniente — a tensão e o nervosismo inevitáveis na obtenção da absolvição aparente, embora o adiamento tenha também certas desvantagens pata o acusado, as quais não devem ser menorizadas. Ao afirmar isto, não estou a pensar no facto de o acusado nunca mais ser livre; depois da absolvição aparente, ele nunca mais é livre em qualquer sentido da palavra. Há outras desvantagens. O processo não pode ser retido indefinidamente sem que, pelo menos, seja apresentada uma justificação plausível. »





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