O Processo - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 144 / 183

«Já me anunciaste?», perguntou ele a Leni, em vez de continuar. «Pois com certeza», respondeu ela, «e o advogado esta à tua espera. Densa agora Block, pois podes falar com ele mais tarde, visto que está cá em casa.» K. ainda hesitou. «O senhor está aqui hospedado?», inquiriu K. ao comerciante; ele queria que fosse o próprio homem a falar, pois detestava a maneira como Leni falava dele, como se ele estivesse ausente, e naquele momento sentia uma inexplicável irritação contra ela. Mas, mesmo assim, foi Leni quem falou. «Ele dorme aqui frequentemente.» «Dorme aqui?», gritou K.. K. pensara que o comerciante estava ali simplesmente à espera de que a entrevista com o advogado chegasse a uma rápida conclusão, saindo depois os dois juntos para discutir o assunto por completo e em particular. «Pois», disse Leni, «nem toda a gente é como tu, que tens uma entrevista a qualquer hora que te calhe. Tão-pouco parece impressionar-te o facto de um homem tão doente como está o advogado ter de te receber às onze da noite. Aceitas tudo quanto os teus amigos fazem por ti como a coisa mais natural desta vida. Bem, os teus amigos, ou, pelo menos, eu, gostamos de te ajudar. Não peço agradecimentos e tão-pouco necessito deles, desejo apenas que gostes de mim.» «Gostar de ti?», pensou K., e só depois de pesar bem as palavras isto lhe ocorreu: «Mas eu gosto dela.» Contudo, fazendo de conta que não ouvira os restantes comentários de Leni, disse: «Ele recebe-me porque sou seu cliente. Se eu precisasse do auxílio dos outros até para uma entrevista com o meu advogado, teria de andar às vénias e sorrisos por todo o lado.» «Que difícil que ele está hoje, não está?», disse Leni ao comerciante. «Agora é a vez de falarem de mim como se eu estivesse ausente», pensou K., e a sua irritação estendeu-se também ao comerciante, quando este, à semelhança da falta de delicadeza de Leni, comentou: «Mas o advogado tem outros motivos para concordar em recebê-lo. O caso dele é muito mais interessante do que o meu. Além disso, ainda está no principio, certamente numa fase promissora, motivo por que o advogado gosta de se ocupar dele. Verá a diferença depois.» «Sim, sim», concordou Leni, olhando para o comerciante a rir. «Que palrador!» Voltou-se nesta altura para K. e continuou: «Não deves acreditar numa só palavra do que ele diz. Ele é um bom homem, mas dá de mais à língua. Naturalmente, é por isso que o advogado não o suporta. De qualquer maneira, ele nunca 0 quer ver, a não ser que se encontre de bom humor. Tenho tentado tudo para ver se consigo modificar este estado de coisas, mas não tem resultado. Imagina sã isto: por vezes digo ao advogado que Block está aqui e ele só acaba por recebê-lo ao fim de três dias. E, se acontece Block não estar presente quando o manda chamar, lá se vai a oportunidade e então tenho de enunciar de novo a presença dele.





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