O Processo - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 170 / 183

«Em alguns casos, direi mesmo em muito deles, concordaria consigo», disse K., «mas nem sempre. As mulheres exercem grandes influências. Se eu conseguisse mover algumas mulheres que conheço no sentido de se unirem, trabalhando juntas para mim, não poderia deixar de vencer. Especialmente perante este tribunal, que é composto quase completamente por homens doidos por saias. Deixe o juiz de instrução ver uma mulher à distancia e ele deita abaixo não só a mesa mas também o acusado, na sua pressa de ir atrás dela.» O padre debruçou-se sobre a balaustrada, aparentemente sentindo pela primeira vez a pressão do dossel sobre a sua cabeça. Que tempo horrível deve estar lá fora! Já nem era mesmo um dia sombrio, mas autêntica noite. O vidro colorido da grande janela não conseguia iluminar a escuridão da parede com um único raio de luz que passava através dele. Neste preciso momento, o sacristão começou a apagar, umas a seguir às outras, as velas do altar-mor. «Senhor padre, está zangado comigo?», perguntou K. ao padre. «Certamente que não conhece o género de tribunal que serve.» Não obteve resposta. «Estas são apenas as minhas experiências pessoais», disse K. Continuou sem obter resposta. «Não queria ofendê-lo», disse K. Foi então que o padre berrou do púlpito: «Será que não consegues ver dois palmos à tua frente?» Tinha sido um grito de irritação, mas, ao mesmo tempo, de uma pessoa que se encontrava desprevenida, que vê uma outra cair e fica assustada.

Ambos ficaram silenciosos durante muito tempo. No meio da escuridão, o padre não conseguia certamente ver as feições de K., ao passo que K. o via nitidamente à luz da pequena lâmpada. Por que não desceria ele do púlpito? Não tinha estado a dizer um sermão, tinha estado apenas a dar alguns esclarecimentos a K., que, quando neles reflectisse, talvez os achasse mais prejudiciais do que benéficos. No entanto, K. não duvidou das boas intenções do padre, tanto mais que admitiu a possibilidade de chegarem ambos a um bom entendimento, caso o homem descesse do púlpito e K. pudesse obter dele um conselho decisivo e aceitável que pudesse, por exemplo, indicar-lhe o caminho, não no sentido de mover influências a favor do processo mas de as evitar, de cortar com elas completamente, de viver completamente fora da jurisdição do tribunal. Deve existir esta possibilidade; K tinha pelo menos pensado ultimamente muito nela.





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